Com as madeixas vermelhas ao vento e microfone na mão, a cantora inglesa Rose Gray, de 28 anos, fez multidões brasileiras vociferarem destaques de sua enxuta discografia — composta ainda por apenas um álbum de estúdio e um punhado de singles divulgados esporadicamente desde 2019 — em dois shows no país, um em São Paulo em 8 de novembro e um no Rio de Janeiro no dia 14.
Quem ouvisse o coro de fora poderia achar que a jovem é uma sensação radiofônica de seu país como Dua Lipa, que também anda por terras brasileiras nesses dias, ou um achado da cena alternativa que acaba de explodir no mainstream como Charli xcx. Pelo contrário, Gray está ainda no começo de tudo, trilhando com calma os passos do estrelato, ainda que seus fãs já a canonizem. Acostumada a passar despercebida, até tentou festejar com a multidão do festival paulista Zig após seu show, mas teve que se disfarçar com boné e óculos escuros como fazem os mais cobiçados dos astros.
Por aqui, a febre de nicho começou com postagens na rede X, antigo Twitter, que elogiavam a capa de seu disco de estreia, Louder, Please, no qual é vista aos berros em uma praia que poderia, muito bem, ser da capital carioca. Curiosos que foram atrás do trabalho encontraram batidas fortes e grudentas, letras hedonistas e uma descrição detalhada da vida noturna inglesa que parecia universal aos centros urbanos. Nos meses que se sucederam, Gray acumulou mais e mais ouvintes e consolidou sua base no Brasil, talvez o contingente que a apadrinhou com maior intensidade. Hoje, é aposta da gravadora Universal para o futuro do pop global, lança remixes com outros colegas em ascensão e grava clipes com galãs como Lucas Bravo, francês conhecido por Emily em Paris.
Em entrevista a VEJA, a artista descreve a relação com a fatia brasileira de seu público, traça paralelos entre Londres e São Paulo e detalha sua complicada jornada com a fama, que começou aos 14 anos em um show de talentos:
Sua fama como popstar tem crescido ao redor do globo, mas seu público brasileiro aparenta ser maior do que os outros. O quanto sua carreira mudou desde que esse nicho foi consolidado? Estar aqui em pessoa me fez compreender melhor o que acontece, porque é difícil saber o que é ou não verdade na internet. Fãs brasileiros têm esperado por mim por onde passo e me pedem autógrafos em itens diversos, o que não acontece tanto no Reino Unido ou na Europa. O público do show no Zig Festival [em São Paulo] também foi demais, milhares de pessoas.
É fácil perceber que seu contato com os fãs no Brasil tem sido direto, seja pela comunicação online ou pelas interações que ocorreram ao longo dos últimos dias. Esse tipo de fama de nicho contraria a ideia de que a música pop só existe em nome de paradas e expansão comercial. Como descreveria suas ambições? Tudo tem acontecido de forma gradual em minha carreira. Com esse álbum, o público cresceu de maneira orgânica. Dia a dia, mais pessoas descobrem meu som, sem que um estouro em específico transforme tudo. Isso me dá orgulho. Também facilita que eu me acostume a estar sempre ocupada ou sempre em turnê. Agora, me sinto pronta para isso em tempo integral.
A instabilidade da indústria é tema de sua música Angel of Satisfaction, cujo remix conta com participação de Jade, ex-integrante do grupo Little Mix. Ela, claro, começou no programa The X Factor e canta sobre os próprios percalços em outra faixa, Angel of My Dreams. Vocês trocaram histórias nos bastidores? Me senti muito conectada a ela, até porque ela é uma pessoa extremamente agradável. Nosso histórico é um pouco diferente. Ela, obviamente, tem sido muito bem-sucedida na indústria há anos, enquanto isso era tudo o que eu queria. Conversamos bastante sobre a ideia de um desejo não ser exatamente o que é melhor para quem o deseja. Existe um perigo em sonhar.
Você participou de um programa de talentos aos 14 anos, firmou contrato com uma gravadora, mudou de ideia e passou anos imersa na vida noturna de Londres. Como isso se tornou base para a artista que se tornou? Olhando para trás, percebo coisas que não percebia na época. Eu estava muito perdida. Me prometeram muito sucesso e muita fama que não se concretizaram. Só me restou viver para festejar. Eu trabalhava só para pagar os custos de uma noitada. No meio disso, acabei encontrando minha comunidade, meus amigos e cresci bastante, o que eu precisava. Estou muito grata por tudo que passei, mas estava muito frustrada na época.
Essa ideia de que a boate pode ser um espaço de hedonismo, mas também de formação e até espiritualidade, permeia o zeitgeist, como em Brat, de Charli xcx, ou Lux, de Rosalía… Estou estonteada com esse disco da Rosalía. Acho muito interessante observar uma popstar que brinca com a teatralidade. Acredito que ele vá abrir muitas portas para que artistas se sintam livres. Muitos de nós carregamos históricos no teatro musical ou temos treinamento clássico.
E se identifica com o ar de templo que Lux atribuí à vida noturna? Com certeza, mas nem sempre. Quando é a boate certa, a música certa e as pessoas certas, sim.
Como é, então, fazer a transição de frequentadora para atração? É interessante. Definitivamente passo por momentos em que estou no palco e vejo as pessoas ou se beijando, ou chorando, ou dançando. Percebo que a energia é uma loucura e sinto muita vontade de descer e estar lá com eles. Mas há beleza em proporcionar momentos assim.
Seu show em São Paulo ocorreu no ZIG Festival, organizado pela rede de baladas paulista. Quanta familiaridade existe entre essa cena e a de Londres? Aquela noite me lembrou de algumas outras que passei em Londres. Existe uma promotora de eventos chamada Howl, que faz festas por toda a Inglaterra, e as duas tem algumas semelhanças.
Como quais? O jeito de se vestir é parecido, como o de se expressar e o de engajar com a música — mas o local do Zig Festival foi insano, ainda que já tenha me apresentado em outros espaços com uma proposta industrial similar.
Esse intercâmbio cultural está no seu álbum de remixes por meio da colaboração com Clementaum. Outra popstar inglesa, Pinkpantheress, também acaba de lançar novas versões do próprio trabalho com talentos nacionais. Qual o alcance da música brasileira nessa esfera? Sendo honesta, me tornei muito mais ciente disso por meio do Twitter, onde descubro muita coisa e entro em contato com artistas brasileiros. Sinto que as pessoas daqui entendem profundamente o cerne de uma balada.
O que tem acompanhado? Eu sigo Clementaum há alguns meses e adoro o jeito como ela remixa, é muito legal. No dia do festival, conheci também a Katy da Voz e fiquei obcecada pela estética do trabalho dela. Aquela capa [de A Visita] é sensacional.
Esta etapa parece o começo promissor de uma longa carreira. Há algo sobre a artista de hoje que espera preservar? Sinto que sou muito pé no chão, muito normal, e não quero perder isso. A noite do show no festival foi difícil, porque queria assistir aos outros shows e aos outros sets depois que saí do palco, mas tive que colocar um boné e me disfarçar. Não quero perder o equilíbrio entre me apresentar, mas ainda ser parte dessa cultura.
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