Agora, temos um ponto de partida. A ideia me veio à cabeça no final de maio, quando o IBGE divulgou o número de pessoas que vivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil: 2,4 milhões de pessoas ou 1,2% da população. O dado faz parte do Censo 2022. Pela primeira vez, o questionário incluiu uma pergunta específica sobre a condição: se alguém no domicílio já havia sido diagnosticado com TEA por um profissional de saúde.
O levantamento também revelou uma prevalência da condição entre homens (1,5%) em relação às mulheres (0,9%). Entre os grupos etários, uma concentração maior entre 5 e 9 anos (2,6%) e, entre as regiões, a maioria dos diagnosticados se localiza no Sudeste, com pouco mais de um milhão de pessoas, seguido do Nordeste, com 633 mil.
Sem dados, não se faz política eficaz. Eis aí um dos aspectos mais importantes das informações apresentadas pelo Censo 2022. A partir de agora, o poder púbico e a iniciativa privada têm chance de traçar estratégias mais calibradas para o atendimento da população com TEA, definir prioridades de investimento em serviços e infraestrutura, como centros de diagnóstico e de terapia.
Uma base de dados serve como cimento sobre a qual se alicerçam estudos científicos, uma baliza que ajuda a formar massa crítica e aumentar o conhecimento sobre o autismo. E também permite monitorar e avaliar a eficácia das políticas adotadas.
Como disse, temos um ponto de partida. Agora, precisamos acelerar. Podemos começar olhando com lupa a população de autistas encontrada pelo IBGE. Ainda que os 2,4 milhões de pessoas sejam uma média, estão abaixo da estimativa usada como referência no mundo, o levantamento dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, da sigla em inglês), agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
Em 2023, o CDC divulgou que 1 em 31 crianças de 8 anos vive com o transtorno. E, um outro estudo do órgão, de 2022, estimou que 2,2% da população adulta norte-americana esteja no espectro do autismo. O dado brasileiro aponta para uma situação de subavaliação de diagnósticos.
O mais provável é que tenhamos o dobro de autistas do que foi contabilizado pelo Censo. Ficou de fora quem não teve sua condição reconhecida em função de uma falha de diagnóstico ou por falta de acesso ao serviço — situações corriqueiras no Brasil –.
O diagnóstico do autismo remonta aos anos 1940. Naquela época, apenas condições severas eram reconhecidas. Desde então, a avaliação evolui, ganhou nuances. Hoje, os casos mais brandos dentro do espectro do autista, aqueles em que a pessoa tem uma vida funcional, exigem um profissional capacitado, com formação multidisciplinar e uma sensibilidade fina treinada. O Brasil, porém, não dispõe de profissionais assim em número suficiente.
Minha formação aconteceu há mais de 20 anos. Fiz medicina e depois dois anos de psiquiatria. Em oito anos de educação formal, não tive nada sobre autismo, me especializei por esforço e interesse próprios. A carência que verifiquei na formação foi o que me levou a criar cursos de especialização em TEA.
Até hoje, em boa parte das faculdades de medicina do país, a disciplina de pediatria não conta com conteúdo sobre autismo. Em geral, esse especialista responsável pelo primeiro atendimento à criança, estratégico para o seu futuro, tem pouco conhecimento sobre desenvolvimento infantil.
Como um profissional assim será capaz de reconhecer TEA? O diagnóstico até os dois anos de idade permite uma intervenção precoce e abre a janela para resultados promissores. Infelizmente, por aqui, 10 anos é a idade média em que criança autista é diagnosticada. Esse é um dado que mostra o quanto ainda temos de caminhar.
* Gustavo Teixeira é psiquiatra da infância e adolescência, Cofundador e Diretor Executivo do Child Behavior Institute of Miami (CBI of
Miami), — uma das principais instituições dedicadas à formação de profissionais na área de neurodesenvolvimento infantil –, é também professor do Departamento de Educação Especial da Bridgewater State University e membro da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry