A polícia da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, abriu uma investigação na segunda-feira 6 sobre um incêndio que destruiu a casa da juíza Diane Goodstein, do tribunal distrital do estado, que desafiou ações do presidente Donald Trump e teria recebido ameaças de morte por semanas em razão de seu trabalho.
“Até o momento, não há evidências que indiquem que o incêndio foi intencional”, disse Mark Keel, chefe da Divisão de Aplicação da Lei da Carolina do Sul (SLED), em comunicado. “Peço aos nossos cidadãos, autoridades eleitas e membros da imprensa que exerçam o bom senso e não compartilhem informações que não tenham sido verificadas”, acrescentou ele, afirmando que a investigação está “ativa e em andamento”.
The South Carolina home of Judge Diane Goodstein, who ruled against Trump last month and received death threats, was engulfed by fire Saturday. If the circumstances were reversed, Temu Goebbels, Stephen Miller, would be screaming about left-wing terrorism. pic.twitter.com/gX3IfplMMe
— Bill Madden (@maddenifico) October 6, 2025
O incêndio começou por volta das 11h30 (12h30 em Brasília) do sábado 5, segundo o canal de notícias local FITSNews. A juíza não estava em casa no momento, mas pelo menos três membros de sua família — incluindo seu marido, o ex-senador estadual do Partido Democrata Arnold Goodstein, e seu filho — foram hospitalizados com ferimentos graves. De acordo com o Distrito de Bombeiros de St. Paul, que atendeu ao chamado, eles precisaram ser resgatados de caiaque, já que a casa é cercada por um lago.
O presidente do Supremo Tribunal da Carolina do Sul, John Kittredge, havia declarado à FITSNews no sábado que uma “explosão” teria provocado as chamas, mas Keel afirmou na segunda-feira que análises preliminares descartaram a possibilidade. Ele não deu mais detalhes.
Desafio a Trump
No mês passado, Goodstein barrou o governo Trump de obter os registros eleitorais da Carolina do Sul. O Departamento de Justiça solicitou informações, incluindo nomes, endereços, números de carteira de habilitação e números de previdência social, de mais de três milhões de eleitores do estado, como parte do decreto assinado pelo presidente em março que restringe o registro de estrangeiros para votar. (Eles já não estão autorizados a votar em eleições federais e estaduais.)
O Departamento de Justiça fez o mesmo com mais de 30 estados, com objetivo de compilar um banco de dados centralizado abrangente, e estuda a possibilidade de abrir investigações criminais contra autoridades eleitorais estaduais que não cumprirem a demanda. Críticos argumentam que ações como a prevista pelo decreto podem prejudicar eleitores de comunidades marginalizadas, além de violar a Constituição — uma vez que procedimentos eleitorais são controlados pelos estados.
A decisão judicial de Goodstein foi criticada abertamente pelo Procurador-Geral Adjunto para os Direitos Civis, Harmeet Dhillon, e posteriormente revogada pela Suprema Corte estadual.
Ameaças a juízes
A juíza de 69 anos também havia recebido ameaças de morte nas semanas que antecederam o incêndio, segundo diversas fontes.
O governo tem direcionado cada vez mais ataques ao judiciário, taxando os juízes que tomam decisões desfavoráveis à Casa Branca de “traidores que odeiam os EUA”.
Horas antes do incêndio na casa de Goodstein, o vice-chefe de gabinete de Trump, Stephen Miller, acusou a juíza distrital Karin Immergut de “insurreição legal” por conceder uma ordem de restrição que impede o envio da Guarda Nacional por Trump para a cidade de Portland. O governador da Califórnia, o democrata Gavin Newsom, afirmou que a fala de Miller “não é apenas imprudente, é propaganda autoritária”.
Antes de Keel esclarecer que a investigação preliminar não revelou uma causa intencional para o incêndio, alguns congressistas democratas apontaram o fato de que o incidente ocorreu poucas semanas após a decisão de Goodstein sobre os registros eleitorais, que teve repercussão nacional.
“Trump e o mundo MAGA (Make America Great Again) têm divulgado informações falsas e ameaçado juízes que desafiam Trump, incluindo a juíza Goodstein”, publicou no X o deputado nova-iorquino Daniel Goldman, que atuou como advogado principal no primeiro processo de impeachment contra Trump em seu mandato anterior.
A deputada do Arizona Yassamin Ansari publicou no X: “Precisamos de uma investigação completa, mas é inegável que essa retórica é perigosa e faz com que a violência pareça permissível”, referindo-se a uma publicação de Miller sugerindo que “juízes, promotores e procuradores-gerais democratas de extrema esquerda” estão blindando o “terrorismo de esquerda” de ser investigado.
O juiz presidente do Distrito de Rhode Island, Jack McConnell, disse à rádio NPR em agosto que seu tribunal recebeu mais de 400 mensagens de voz alarmantes, incluindo várias ameaças de morte críveis e indicação de que os responsáveis sabem onde funcionários do tribunal moram. O magistrado foi responsável por bloquear uma medida de Trump que congelou repasses do governo federal a estados no início do ano.
Em maio, Nancy Gertner, ex-juíza e atual professora de Harvard, afirmou ao jornal britânico The Guardian que “em todos os lugares os juízes estão preocupados com sua própria segurança”.
“Há pessoas que foram inflamadas pelos comentários incendiários do nosso presidente e de membros do Congresso sobre os juízes. Funcionários públicos legitimaram ataques a juízes com os quais discordam”, declarou ela.
Naquele mês, Richard Durbin, o líder democrata no comitê judiciário do Senado, escreveu uma carta à procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, e ao diretor do FBI, Kash Patel, solicitando uma investigação sobre incidentes de ameaças contra pelo menos uma dúzia de juízes.
“Ameaças contra juízes são ameaças ao governo constitucional. Todos deveriam levar isso a sério”, disse Richard Sullivan, juiz de Nova York, à agência de notícias The Associated Press em março.