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‘Podemos fazer bons acordos’: Trump releva provocações e muda quadro

Acabar com o dólar como moeda de troca, proteger “traficantes que são vítimas de usuários” e dizer que uma interferência na Venezuela, governada pelo ilegítimo Nicolás Maduro, é o fim do mundo tal como o conhecemos.O presidente Lula da Silva disse tudo isso e depois exaltou a disposição a um acordo sobre tarifas, com a vantagem de ter à frente, excepcionalmente, um interlocutor disposto a deixar o jogo mais solto para o adversário, pensando no grande quadro geopolítico: o confronto com a Venezuela, que muda tudo na América do Sul a curto prazo, e, a prazo mais longo, a influência da China em países simplesmente negligenciados pelos Estados Unidos.

Tal como Lula, Donald Trump também é um mestre em equilibrar duas bolas divergentes no firmamento da política externa. Depois de tascar a Magnitsky e o cancelamento de vistos nos supremos e dizer que o governo brasileiro estava no caminho errado da extrema esquerda, o presidente americano fez numerosos gestos de boa vontade, teve a notória reação química positiva na ONU e chegou a Kuala Lumpur, a capital de nome maravilhoso da Malásia, cheio de atitudes positivas, redundando no encontro “ótimo”, na palavra do chanceler Mauro Vieira. Só disse que ficava “mal”com a situação de Jair Bolsonaro, considerado uma patente perseguição política, mas relevou isso também. Todas as iniciativas conciliatórias foram de Trump

Trump foi para a Malásia cheio de pautas boas – e politicamente vantajosas para ele: fazer um acordo comercial com a China, marcar um encontro com Kim Jong Un, acertar-se com o Japão sob nova direção e assinar um acordo de paz, mesmo sem esse nome oficial, entre Tailândia e Camboja, o que acabou sendo o primeiro resultado concreto da visita. Tudo, como dá para perceber, para simultaneamente acalmar o confronto comercial com a China e controlar sua influência da potência competidora (o Camboja, por exemplo,  recebe armas e incentivos dos chineses) . É nesse quadro que operam os movimentos de reaproximação com o Brasil.

NEM SE ANDAR SOBRE AS ÁGUAS

Trump está endurecendo em vários e importantíssimos aspectos da política externa e comercial. Depois de ser infinitamente acusado, com uma certa dose de razão, de se deixar convencer pelas insanas posições de Vladimir Putin em relação à Ucrânia, o presidente se irritou com a recusa do russo em aceitar um cessar-fogo que congelaria as presentes posições – sendo que o Kremlin quer anexar até territórios que não tomou -, Trump tascou sanções pesadas contra as duas grandes petrolíferas russas 

E passou a ser imediatamente acusado de insuflar a fogueira de uma terceira guerra mundial; nem que ande sobre as águas e traga a cura do câncer e do envelhecimento, ele terá algum mérito reconhecido pelos adversários, que são praticamente o mundo inteiro não identificado com a direita – e, na Europa, até mesmo entre conservadores que não engolem a hegemonia americana.

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Com o endurecimento em relação à Rússia, a doutrina Trump – chamada internamente em tom jocoso de Doutrina Donroe, uma mistura de Donald com Monroe, referência à oposição do presidente James Monroe ao colonialismo europeu nas Américas –  está finalmente desenhada: se fizerem como ele quer, e acha correto não só para os Estados Unidos como também para as partes envolvidas, manda uma chuva de rosas.Promete, por exemplo, o fim das sanções e benesses econômicas para a Rússia, além de projetos de reconstrução mutuamente vantajosos para a Ucrânia. É um ganha-ganha.

 Deu certo, com as devidas cautelas, em relação à guerra de Gaza, um tema onde conseguiu o prodígio de ser elogiado por judeus e árabes (talvez um pouco mais por estes, pois 

Trump já soltou os cachorros, preventivamente, sobre Benjamin Netanyahu se fizer algum movimento para anexar a Cisjordânia, o cerne de um futuro Estado palestino independente. Teve até palavras feias no meio).

Os gestos em relação ao Brasil devem ser vistos nesse quadro.

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ENCRENCA MONUMENTAL

A quem o desafia, como Nicolás Maduro, Trump manda simplesmente a força-tarefa que acompanha o porta-aviões Gerald Ford, com aeronaves de todos os tipos, um submarino movido a energia nuclear e outros componentes que equivalem várias vezes o poderio bélico do Brasil, por exemplo. Para não falar na desconstruída Venezuela, onde os russos nunca deixarão os locais mexer nos armamentos antiaéreos que venderam, sob risco de provocar aquela guerra do fim do mundo que todos querem evitar, até as cabeças mais quentes do entorno de Putin.

Mas o caso da Venezuela é, definitivamente, uma encrenca monumental que ninguém sabe como vai terminar, inclusive pelas múltiplas possibilidades de que a lei das consequências indesejadas apronte mais uma. 

Idealmente, toda a pressão sobre Maduro induziria nomes mais palatáveis a despachá-lo para as delícias do exílio em Cuba – ou, sabe-se, lá, em Brasília, pois chegamos a esse nível de destempero. Como tem a pecha de chefe do narcoterrorismo, Maduro depararia com menos flexibilidade por parte dos americanos em relação a seu futuro. A probabilidade, no momento, é que não seja nada brilhante.

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Já que está brigando abertamente com Maduro, Trump decidiu incluir também na conta o lamentável Gustavo Petro. Até que pegou leve, ao cancelar o visto e sancionar do presidente colombiano; sua mulher, Veronica; o enrolado filho Nicolás e o ministro do Interior, Armando Benedetti (“Gringos go home”, tuitou  pateticamente o ministro, mostrando os poucos argumentos da estratégia da esquerda). Todos foram incluídos na lista negra do Serviço de Controle de Ativos Estrangeiros, o que os torna párias em relação a qualquer atividade econômica que envolva americanos.

IDIOTAS VIRAM ‘MULAS’

Para que achava que Scott Bessent, o secretário do Tesouro, só ficaria no papel de bonzinho, ou das “forças do céu” tão mencionadas por Javier Milei, para ajudá-lo a não naufragar num dos habituais ciclos destrutivos da Argentina, e que Marco Rubio ficaria no papel de policial mau, ficou demonstrado que todo mundo está liberado para bater no continuum Venezuela-Colômbia. 

“Desde que o presidente Gustavo Petro chegou ao poder, a produção de cocaína na Colômbia explodiu para o nível mais alto em décadas, inundando os Estados Unidos e envenenando americanos”, dizia o comunicado do Departamento do Tesouro, só para começar, enumerando uma longa lista de malfeitos. O que Petro vai fazer, além de se comportar como um lunático, na definição de Trump? Invadir os Estados Unidos?

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O clima não está para quem defende traficantes – e ainda por cima o faz na Indonésia, um dos países com legislação mais dura do mundo para quem acha que pode ir para Bali e financiar a estadia entregando cocaína escondida na bagagem aos espertalhões que transformaram idiotas em “mulas”. Vários estrangeiros já foram condenados à morte, incluindo dois brasileiros.

Ressalve-se que o presidente Lula da Silva captou o tamanho do estrago e se retratou sobre a “frase mal colocada”. Mostrou o jogo de cintura do Lula de antigamente, não da versão raivosa e mais esquerdista do momento.

BATEU, LEVOU

Nem aliados muito mais confiáveis dos Estados Unidos estão se dando bem quando desafiam Trump. O presidente cancelou todas as negociações comerciais depois que o ocupante do cargo equivalente ao de governador da província de Ontario, Doug Ford, achou que estava sendo esperto ao mandar produzir um filme publicitário, transmitido no intervalo do campeonato de beisebol,  no qual frases de Ronald Reagan são manipuladas para parecer que ele somente condenava a imposição de tarifas, sem as ressalvas feitas no discurso original, preparatório para um encontro de cúpula com o Japão, agravado por tarifas impostas por Reagan.

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Ford é do Partido Conservador Progressista, uma contradição que só existe no Canadá, e já havia levado uma lapada, em março passado, quando teve a ideia de impor uma tarifa retaliatória de 25% sobre a eletricidade vendida por sua província aos Estados Unidos. Trump mandou aumentar para 50% as tarifas sobre aço e alumínio vendidos pelos Canadá e Ford rapidamente mudou de ideia. O aumento extra agora foi de 10%.

Foi uma manifestação pioneira sobre a Doutrina Donroe, que pode ser resumida em duas palavras: bateu, levou. E não adianta oferecer amplas concessões quando a coisa aperta, como fez Nicolás Maduro. A Doutrina Donroe não reage bem, mas também tem flexibilidade para se adaptar a novos fatores – e interesses, evidentemente. É nesse pequeno espaço que deve operar o governo brasileiro e a cúpula de Kuala Lumpur foi um avanço notável.

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