Donald Trump quer briga. Não quer uma discussão normal sobre tarifas, uma negociação em que cada parte cede um pouco, desvantagens históricas para produtos americanos são eliminadas e, pronto, assunto resolvido. Ao colocar a questão da perseguição judicial a Jair Bolsonaro no topo, Trump misturou os canais e não deixou saída negociada, “Deixar Bolsonaro em paz” não é uma coisa que representantes comerciais possam resolver.
O governo Lula também quer briga. Países importantes, como o Canadá e a própria União Europeia, estão tentando conseguir acordos que amenizem as tarifas. O Brasil, ao contrário, invocou a Lei de Reciprocidade Econômica. Ou seja, vai para o confronto de exigir tarifas igualmente proporcionais.
É um bom momento para brigar, com o governo perdendo prestígio em várias frentes, o atoleiro das contas que se deterioram, o repúdio que o janjaísmo provoca, não só na opinião pública, mas entre dirigentes petistas que na pessoa da esposa do presidente identificam um desgaste desnecessário e um discurso descontrolado.
Lula não pode vestir a camisa verde e amarela, domínio exclusivo de Bolsonaro, mas pode se travestir de paladino dos interesses nacionais. É uma oportunidade rara que o escolado político saberá agarrar.
Para os americanos, há um risco de pagar mais caro pelo café, segundo anotam os poucos interessados no assunto – e quem já enfrenta os preços do Starbucks já tende a se separar com facilidade de seu dinheiro.
PEIXES PEQUENOS
Os efeitos são perturbadores no Brasil. Alguns para os super-ricos do agronegócio, uma das categorias execradas pelo atual governo. Vê-los se dando mal pode até provocar regozijo pouco disfarçado. Quem pode sentir efeitos imediatos são os peixes pequenos – exatamente aqueles a quem ninguém liga.
Este é talvez o mais grave confronto diplomático entre os dois países. Por envolver uma questão política – a do ex-presidente Jair Bolsonaro – e judicial – o processo contra ele e as ações secretas (em maiúsculas) contra plataformas digitais americanas, supera a ruptura do acordo de cooperação militar com os Estados Unidos determinada pelo presidente Ernesto Geisel em 1977. Na época, Jimmy Carter era o presidente e a questão, as torturas praticadas contra a oposição armada.
Isso mostra que muita coisa melhorou no Brasil. Temos democracia, um estado de direito que mais ou menos funciona e oposicionistas são torturados pelas palavras de ordem gritadas pelo MST em gabinetes de deputados. Infelizmente, não podemos confiar na integridade de processos do STF, mas não são tarifas punitivas que vão mudar isso.
Trump pode mudar de ideia – e isso já foi demonstrado em várias circunstâncias desse atual governo. O interlocutor brasileiro também pode ser pragmático. Mas como prefere o confronto, pelo menos por enquanto, pelas vantagens no campo volátil das redes sociais, é possível apostar numa situação lamentavelmente conflagrada. Pobres brasileiros.