A glamourização do crime em produções de streaming é um fenômeno que tem gerado bastante debate, porque diz respeito a como as plataformas retratam atividades e personagens criminosos de forma atraente, sofisticada ou cool. Muitas vezes sem mostrar plenamente as consequências reais. Séries e filmes que tratam de tráfico de drogas, roubos, assassinatos ou fraudes, como Narcos, Breaking Bad ou La Casa de Papel, são exemplos clássicos: mostram protagonistas carismáticos, inteligentes e bem-sucedidos dentro do mundo do crime, fazendo com que o público possa simpatizar ou até admirar suas ações, mesmo que moralmente condenáveis.
Do ponto de vista psicológico e social, esse tipo de narrativa pode influenciar percepções sobre a criminalidade. Estudos sugerem que a repetida exposição a personagens criminosos que parecem ter vantagens ou status pode reduzir a percepção de risco ou normalizar comportamentos ilegais, especialmente em públicos jovens. No entanto, também é importante reconhecer que nem todas as produções são unilaterais: muitas exploram as consequências negativas, dilemas morais e o sofrimento causado pelo crime, ainda que o enredo torne o crime inicialmente atraente.
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Há ainda um aspecto de estética e entretenimento: a indústria sabe que o crime gera tensão, emoção e identificação dramática, o que aumentam audiência e engajamento nas plataformas. O problema é quando a linha entre mostrar o crime e glorificá-lo se torna tênue, contribuindo para debates sobre ética na mídia, responsabilidade social das plataformas de streaming e efeitos culturais.
No caso da série sobre Elize Matsunaga, disponível no catálogo da Netflix, por exemplo, há uma “narrativa espetacular” do crime: a própria ré confessa conta sua versão, e isso é usado para construir uma trama “cinematográfica”. 2025 não inventou essa tendência, diga-se de passagem; entretanto, foi marcado por uma acentuação dessa tendência. A seguir, sete exemplos da realidade emprestando seu lado mais perverso para a ficção.
- Murdaugh: Death in the Family – Minissérie de 8 episódios. Estreou em 15 de outubro na Hulu. Conta a história da família Murdaugh, especialmente Alex Murdaugh, com base no podcast Murdaugh Murders, de Mandy Matney.
- Tremembé – Série brasileira no Prime Video, estreou em 31 de outubro. Retrata a vida no presídio de Tremembé II, com destaque para criminosos reais como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Anna Carolina Jatobá, Alexandre Nardoni, entre outros. Baseada nos livros Elize Matsunaga: A Mulher que Esquartejou o Marido e Suzane: assassina e manipuladora, do jornalista Ulisses Campbell.
- Devil in Disguise: John Wayne Gacy – Minissérie de 8 episódios sobre o serial killer John Wayne Gacy. Estreou em 16 de outubro de 2025 na Peacock. Série britânica de drama real (true crime) sobre o escândalo de grampos telefônicos (phone‑hacking) na imprensa britânica e a investigação policial sobre o assassinato de Daniel Morgan. Estreou em 24 de setembro na ITVX (e no streamer Stan).
- I Fought the Law – Minissérie britânica de 4 episódios. Estreou em 31 de agosto. Baseada no livro não-ficcional For the Love of Julie de Ann Ming, que retrata a luta de uma mãe para reverter a lei do “double jeopardy” (não ser julgada duas vezes pelo mesmo crime) após o assassinato da filha.
- The Breakthrough – Série dramática policial sueca. Estreou em 7 de janeiro na Netflix. Baseada no livro The Breakthrough: How the Genealogist Solved the Double Murder in Linköping, sobre o uso de genealogia forense para resolver um crime antigo.
- Beauty and the Bester – Docu-série em 3 partes na Netflix. Conta a história de Thabo Bester, que finge a própria morte na prisão, e sua relação com a médica Nandipha Magudumana — trata de crime, fuga e conspiração.
- A Mulher da Casa Abandonada – Série documental brasileira no Prime Video, lançada em 15 de agosto. É baseada no podcast de Chico Felitti e investiga o caso de Margarida Bonetti, acusada de manter uma empregada em condições análogas à escravidão.