Durante a ditadura militar, as novelas, tal como outras áreas da arte, foram duramente censurada pelo Sistema Nacional de Informações (SNI). O jornalista Guilherme Fernandes, enquanto revisitada certas produções na pandemia de Covid-19, quis saber mais sobre as ações práticas da censura no país. Após visitar o Centro de Documentação da TV e acessar alguns roteiros antigos, Guilherme decidiu fazer um doutorado na UFRJ sobre esse tema. Fruto do estudo, surgiu o livro Mentalidade Censória e Telenovela na Ditadura Militar (ed. Sagga).
Ele demonstra nas pesquisas que as redes de televisão enviavam a sinopse da história, que poderia ser aprovada, precisar de alterações ou mesmo ser negada. Após esse processo, os capítulos eram enviados aos poucos e os censores julgavam que partes poderiam ser exibidas. “O material era muito irregular, eu só tive acesso às últimas versões, depois de já terem censurado. Mas lendo a sinopse, os roteiros, é possível perceber que o que foi modificado. A censura agia como autora da novela, ela tinha o poder de mudar perfil de personagem, enredo e tudo”, compara.
Despedida de Casado (1977), de Walter George Dust, por exemplo, nem chegou a ir ao ar. Já Roque Santeiro (1985), de Dias Gomes, foi impedida de ter sua estreia na época. Dentre os temas que eram proíbidos, alguns o surpreenderam: como a religião. Havia um favorecimento da Igreja Católica, em relação a outras crenças, mas o catolicismo tinha que ser retratado de certa maneira específica. Padres não podiam ter atitudes questionáveis; e a aparência deveria estar de acordo com o que a Igreja previa. “O alcoolismo também era proibido. Algumas telenovelas chegaram a abordar esse tema do vício e o uso abusivo do álcool, mas as cenas eram praticamente todas cortadas, mesmo que a intenção fosse mostrar como é preocupante isso, como é em Vale Tudo hoje em dia”, analisa.
Os autores tentavam fazer com que a censura não atrapalhasse a temática das suas novelas. A tendência era que elas voltassem a ter um enredo fantasioso e com poucos temas sociais – mas não foi o que aconteceu na prática. Segundo aponta o livro, eles continuaram a escrever sobre o clima quente da contemporaneidade. “Esses autores foram muito bravos no sentido de enfrentamento. Mesmo com a censura, estavam lá (temáticas sociais), muito velado, muito maquiado, mas quem tinha repertório conseguia perceber”.