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Perigo no ar: antenas fraudulentas são usadas para invadir celulares e aplicar novo golpe

Desde que o brasileiro passou a ter o celular como ferramenta básica para a sobrevivência, os vários escaninhos da vida migraram para o mundo digital de forma tão ampla que, em um desdobramento previsível, os criminosos logo se puseram a criar golpes de toda sorte ali. E muita gente já perdeu dinheiro em meio aos labirintos virtuais. Um de cada três brasileiros conta ter sido alvo de trapaças financeiras ao menos uma vez no smartphone, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. É como um jogo de gato e rato entre a polícia e as quadrilhas, que, a cada vez que veem um desses esquemas desmantelado, sofisticam sua estratégia, inventando métodos de praticar crimes cibernéticos mais lucrativos e difíceis de rastrear. O perigo da vez é a adoção de antenas falsas, ora escondidas a bordo de carros em movimento, ora em apartamentos, com capacidade de emitir suas próprias radiofrequências, nas quais os celulares nas cercanias passam a operar por breve espaço de tempo — o suficiente para os marginais dispararem mensagens ou até ligações a desavisados, que, não raro, acabam obedecendo a um passo a passo que dá acesso ao aparelho e pode custar caro.

Inquéritos aos quais VEJA teve acesso, no Rio de Janeiro e em São Paulo, mostram quão eficaz é o golpe, executado com rapidez e capaz de arrancar altas somas das vítimas — uma média estimada de 5 000 reais per capita. De tão recorrente, a Polícia Civil paulista depreendeu certos padrões no uso ilícito de tais antenas, que compõem um sistema chamado pela Anatel de Estação Rádio Base (ERB) fake. “Com um veículo rodando dez horas por dia, são ao todo 500 000 SMS fraudulentos, o que leva a um faturamento de até 5 milhões de reais”, estima o delegado Alexandre Bento, à frente das investigações na capital. A polícia sabe que a fraude vem se alastrando nacionalmente — houve casos no Paraná, por exemplo.

Entre as antenas clandestinas flagradas em São Paulo, cinco estavam instaladas em imóveis alugados, sempre em andares altos, atingindo um raio de 3 quilômetros, seis vezes o que alcançam dentro de um carro. Os bandidos costumam agir em regiões de maior concentração de renda e de grandes engarrafamentos, como avenidas e imediações de aeroportos — em um condomínio próximo a Congonhas, na Zona Sul paulistana, foi recém-desbaratado um QG que servia de base a uma ERB fake.

Em geral, as mensagens chegam na forma de um link ou com um número de telefone para o qual a pessoa liga, estimulada por um sentido de urgência. “Umas dizem: ‘Acabaram de usar seu cartão de crédito; se não foi você, clique aqui’. Agoniada, a vítima segue a instrução, e é aí que o crime acontece”, explica Gesiléa Teles, superintendente de fiscalização da Anatel. Uma parte acaba entregando os dados, um a um, enquanto outra, sem perceber, tem o celular tomado por um vírus que assume o controle do aparelho. Em ambos os casos, as gangues fazem uma limpa na conta bancária.

FLAGRA - Estação de uma ERB fake encontrada dentro de caixa de som: métodos se sofisticam cada vez mais
FLAGRA - Estação de uma ERB fake encontrada dentro de caixa de som: métodos se sofisticam cada vez mais./Reprodução
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É tão veloz que o ludibriado nem se dá conta de que perdeu contato com a operadora. “Quando há a captura do celular, o sinal para de funcionar, e o usuário entra por segundos na rede 2G dos criminosos”, diz a superintendente da Anatel. Em uma ocorrência registrada em outubro na 42ª DP de São Paulo, uma senhora relata ter recebido um SMS com uma convocação do INSS para a revisão do benefício e um link para o agendamento. Clicou e foi informada de que logo seria contactada. Após muito papo em ligações via WhatsApp, a idosa baixou um aplicativo falso (“agenda INSS”) e acessou a conta bancária por orientação da “atendente”. Resultado: prejuízo de 20 000 reais entre um empréstimo e duas transferências via Pix à quadrilha.

Foi há pouco mais de um ano que essa modalidade entrou para valer no radar da polícia, meio por acaso. Um Jeep Renegade trafegava com as luzes apagadas na Zona Leste paulistana, e os agentes abordaram o motorista. Eis que no interior do veículo acharam uma torre de antenas falsas acomodada em uma maleta no banco traseiro. Na delegacia, o homem contou que recebia 1 000 reais por semana para circular de oito a doze horas diárias com a parafernália em plena ação. Em setembro, uma estação semelhante foi achada camuflada em uma caixa de som — sinal de que os estelionatários, que acionam tudo por notebook ou celular, vão se aprimorando no golpe. De acordo com a Conexis Brasil Digital, sindicato das empresas de telecom, também os meios para flagrá-los felizmente avançam, à medida que as operadoras criam mecanismos de segurança contra mensagens fraudulentas. Já a Anatel dispõe de uma plataforma que ajuda a mapear essas instalações diante de oscilações suspeitas no serviço e denúncias de mensagens com pinta de golpe.

No Rio, o primeiro caso de ERB fake surgiu uns meses atrás — a estação apreendida pela Anatel operava nas dependências de uma empresa de marketing, que alegou desconhecimento sobre a ilegalidade do uso e colaborou com a agência. Em julho, após intercorrência no sinal de telefonia na área de Copacabana, na Zona Sul carioca, antenas fajutas foram flagradas em um apartamento do bairro. Investigações da polícia fluminense indicam a presença no Rio de quadrilhas paulistas, algumas suspeitas inclusive de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC). Acredita-se que tais equipamentos sejam montados por técnicos altamente capacitados em cidades brasileiras com peças vindas da China via Paraguai. O investimento é alto: cada estação clandestina sai por 100 000 reais, e ainda é preciso pagar o pessoal para operá-la.

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A tecnologia adotada pelas ERBs fake foi inicialmente criada para o setor de marketing, com a ideia de espalhá-­las em shoppings onde disparariam propaganda aos clientes em tempo real. A Anatel, no entanto, nunca homologou o sistema, que foi parar nas mãos das quadrilhas. Para enfrentá-las, fiscais da agência em todo o país se reuniram dois meses atrás em São Paulo com o objetivo de receber capacitação, teórica e prática, para lidar com o golpe do momento. À população, cabe desconfiar de ofertas demasiada atraentes, que, sem mais nem menos, pipocam na tela do celular. O impulso humano nestes dias de tanta conexão é aceitar o estímulo à navegação, seja ele qual for. Neste caso, fica a dica: não clique.

Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973

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