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Pense menos, experimente mais: como ativar o lado direito do seu cérebro

Depois de perder o pai, aos 20 anos, o americano Chris Niebauer decidiu se embrenhar no estudo dos mecanismos da mente, mas percebeu, em meio às aulas da faculdade, que as noções puramente cerebrais sobre o pensamento, o sofrimento e o bem-estar eram insuficientes para responder a suas indagações. Foi assim que se encontrou também com ensinamentos e tradições orientais. 

Desde então, em vez de seguir um ou outro caminho, o doutor em neuropsicologia cognitiva buscou unir os aprendizados de ambos os campos do conhecimento a fim de elaborar explicações sobre como a mente experiencia e interpreta o mundo à sua volta e lida com as dores existenciais. 

Nessa trajetória, em que lições do budismo de mais de 2 000 anos atrás dão as mãos a sofisticadas pesquisas de neuroimagem, Niebauer chegou a duas importantes conclusões.

A primeira: valorizamos e recrutamos demais o hemisfério esquerdo do cérebro, aquele que constrói a linguagem e os padrões e analisa o que vivemos, em detrimento do hemisfério direito, que nos permite enxergar, digamos, o quadro completo, inclusive com as sensações e emoções despertadas em cada vivência.

A segunda: ao nos tornarmos reféns do “cérebro esquerdo”, criamos narrativas, planos e obrigações em torno de um personagem – o eu, o ego ou o self – que não tem necessariamente um pé na realidade. Daí vivermos assediados por ansiedades, pressões, angústias e insatisfações. Em um verbo: sofremos.

A grande sacada dos antigos mestres do Oriente, expõe o autor, é que eles já intuíam e discorriam a respeito (em outros termos, claro) milhares de anos antes de a ciência começar a decifrar as coisas. É evidente que a divisão das funções cerebrais não é tão direta e maniqueísta assim, mas, argumenta Niebauer, essa generalização nos auxilia a compreender os apuros emocionais e cognitivos da atualidade.

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Pois é esse panorama sobre a mente, mesclando ideias ancestrais e novas descobertas, que o neuropsicólogo oferece, sem apelar a tecnicismos (pelo contrário), no livro A Ilusão do Eu, recém-publicado pela Editora Goya.

Nele, o professor da Universidade de Sllipery Rock, na Pensilvânia, não só esboça as principais teorias sobre os hemisférios cerebrais direito e esquerdo como propõe exercícios para fugir das armadilhas e autoenganos do self – uma reflexão necessária em meio ao boom de diagnósticos de ansiedade e depressão.

Com a palavra, Chris Niebauer.

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Podemos dizer que a atual epidemia de problemas de saúde mental está relacionada à supervalorização do lado esquerdo do cérebro?

Sim. Isso faz sentido quando se leva em conta que os processos especializados do hemisfério esquerdo do cérebro são linguagem, categorização, interpretação e narrativa. Todos esses processos têm uma coisa em comum: são pensamentos ou representações mentais sobre o mundo. Digamos que você vai à praia e experimenta o sol e a água do mar, e mais tarde conta a seus amigos histórias sobre essa experiência. Primeiro, houve a experiência direta, mas depois você pensou na experiência, colocou-a em palavras e criou uma história no cérebro esquerdo.

Acontece que os humanos modernos passam cerca de metade do seu tempo desperto pensando no mundo em lugar de experimentá-lo, pura e simplesmente. Pesquisas sobre mindfulness e meditação mostram que é melhor passar o tempo experimentando o mundo do que ficar pensando nele. As histórias criadas pelo cérebro esquerdo têm problemas que giram em torno da maior de todas elas: quem pensamos que somos, ou o self. Essas interpretações costumam gerar sofrimento. No mundo real da experiência do cérebro direito, só existe paz e alegria. Este é o segredo do bem-estar: pensar menos e experimentar mais.

Até que ponto a dependência extrema da vida digital impacta o trabalho dos dois hemisférios cerebrais?

O hemisfério esquerdo cria símbolos sobre a realidade, e isso fica muito óbvio no que tange à linguagem. As palavras são sons que representam a realidade. O mesmo se aplica à nossa vida digital. Quando estamos online, não experimentamos diretamente o mundo, experimentamos uma representação digital do mundo repleta de histórias do cérebro esquerdo. E como passamos metade do nosso tempo desperto pensando na realidade, o mundo digital expandiu esse cenário.

Agora, podemos devanear e pensar gastando o tempo em nossos dispositivos online também. Existe uma coisa que chamo de “Hipótese da Realidade”. Quanto mais tempo passamos no mundo real, mais felizes somos. Todas as espécies deste planeta passam o tempo no mundo real em vez de pensar nele, exceto os humanos modernos. Não existe nada de errado em estar online, desde que nos certifiquemos de passar mais tempo no mundo real em vez de ficar às voltas com as histórias do cérebro esquerdo a respeito desse mundo.

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Você procura fazer uma ponte entre a neurociência e as filosofias orientais. A comunidade científica ainda se mostra preconceituosa em relação a esse ponto de vista?

Talvez, mas a maré está virando. Há 2 500 anos, Buda afirmou que o self é uma ilusão. A neurociência moderna se propôs a buscar o self no cérebro e fracassou. Pense no que significaria encontrar o self no cérebro. Se você examinar o órgão, encontrará células com áreas especializadas em diferentes tarefas. Algumas processam a visão, outros grupos processam a linguagem etc. Mas é a isso que você se resume, apenas um grupo de células no cérebro?

A neurociência não encontrou o self no cérebro, mas descobriu áreas do hemisfério esquerdo do cérebro que criam a história do self. Na minha opinião, existe uma harmonia perfeita entre a neurociência e as filosofias orientais. O cérebro esquerdo conta todo tipo de história. Quem pensamos que somos é apenas uma delas.

Que exercício você recomendaria de imediato para as pessoas que nos leem e que gostariam de ativar seu “cérebro direito”?

Simplesmente ouvir música, caminhar pela natureza ou dedicar-se a alguma prática física, como ioga, pode ativar o cérebro direito. Mas você deve estar no momento presente em cada uma dessas atividades. Os pensamentos do cérebro esquerdo são meros símbolos para encontrarmos nosso caminho neste mundo, como um mapa ou GPS que nos leva até onde queremos ir.

No entanto, pensar não é algo tão preciso quanto achamos que é. Há muitos erros de pensamento documentados, e por isso não devemos acreditar em tudo que pensamos. O self e todos os problemas do self exigem que pensemos, por isso a paz é encontrada nos momentos entre pensamentos.

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Precisamos começar a perceber e a valorizar esses momentos, pois estamos no mundo real durante essas ocasiões. Há um velho ditado que diz: “Você já é um Buda, só não sabe disso”. Perceba o tempo que você passa no mundo real em vez de apenas pensar nele. Quanto mais você perceber o mundo real, mais a paz do cérebro direito estará presente. Quanto mais a paz do cérebro direito estiver presente, mais tempo você vai passar no mundo real, em lugar de apenas pensar nele.

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