Pela primeira vez em quase três décadas de Conferências do Clima, a política de alimentação do evento foi estruturada com critérios de sustentabilidade, espelhando nos refeitórios o que se discutiu nas mesas de negociação. Em Belém, ficou determinado pela organização da COP30 que pelo menos 30% dos ingredientes usados na alimentação dos participantes tivesse como origem a agricultura familiar e os sistemas de base agroecológica, de modo a conectar a logística do evento à realidade alimentar da Amazônia e à agenda global de clima.
A medida integrou o projeto “Na Mesa da COP30”, liderado pelos institutos Regenera e Comida do Amanhã, uma coalizão que contou com a participação de mais de 40 entidades nacionais e internacionais que atuam na agenda de sistemas alimentares e clima. A regra foi formalizada no edital da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), responsável pela contratação dos operadores de alimentação, que determinou a priorização de ingredientes locais, sazonais e produzidos em sistemas sustentáveis. A decisão também abriu espaço para que a conferência apresentasse à comunidade internacional a diversidade de ingredientes amazônicos e os modos de preparo associados às culturas locais.
Um mapeamento realizado pelos institutos Regenera e Fronteiras do Desenvolvimento identificou oito mil famílias produtoras e 80 grupos organizados, entre cooperativas e associações, aptos a fornecer alimentos, e auxiliou na constatação da viabilidade desse feito inédito. A estimativa é que as compras tenham movimentado ao menos R$ 3,3 milhões na economia rural da região, um volume comparável a quase 80% do orçamento anual do Programa Nacional de Alimentação Escolar destinado ao município de Belém. Para agricultores familiares, extrativistas e povos e comunidades tradicionais, a conferência representou acesso a um mercado normalmente inacessível.
“Ao colocar a agricultura familiar no centro da COP, mostramos que formas de produção alinhadas ao clima podem sustentar um evento global”, afirma Maurício Alcântara, diretor do Instituto Regenera.
Além de movimentar a economia local, o modelo permitiu que ingredientes pouco conhecidos fora da região ganhassem visibilidade. Tubérculos como o ariá e frutos como o muruci e a bacaba, além de preparações tradicionais com pupunha e outras espécies nativas, passaram a compor parte dos cardápios e ajudaram a evidenciar a relação entre cultura alimentar, biodiversidade e clima.
Outra novidade foi o Restaurante da Sociobio, operado por uma parceria entre a Central do Cerrado, de Brasília, e a Rede Bragantina de Economia Solidária, do Pará – ambas organizações participantes da coalizão do projeto Na Mesa da COP30. O espaço, voltado a voluntários e equipes técnicas da conferência, estava acessível a todo o público da Zona Azul fora dos horários de maior procura. Seus cardápios eram compostos por, no mínimo, 80% de produtos agroecológicos, e os frequentadores podiam comer à vontade por apenas R$ 40. Somente para essa operação, foram estimadas até 120 mil refeições.
No contexto climático, a decisão ganhou dimensão estratégica. O Brasil tem hoje cerca de 74% das emissões de gases de efeito estufa ligadas ao uso da terra e à produção agropecuária. A COP30, ao priorizar produtos de base agroecológica e cadeias curtas de abastecimento, incorporou sistemas alimentares a planos de mitigação e adaptação. A incorporação de critérios alimentares à arquitetura do evento abre precedente para que futuras edições integrem produção, território e clima de forma mais direta. A experiência de Belém sugere que decisões aparentemente logísticas têm peso político e que sistemas alimentares podem ocupar um papel mais central nas respostas globais ao aquecimento do planeta.