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Pedras no caminho: vitórias democratas mostram rachaduras na ofensiva de Trump

Ao completar um ano de presidente eleito e quase dez meses de governo efetivo, Donald Trump já imprimiu com tintas indeléveis a marca de seu segundo mandato: uma motoniveladora que demole tudo (até a Ala Oeste da Casa Branca) por onde passa e reergue no lugar um cenário à sua personalíssima imagem, com ações rápidas em diversas frentes e apoio irrestrito do Partido Republicano. Assim foi, praticamente sem desvios, até o último dia 4, quando um punhado de eleições locais fora do calendário convencional mostrou que a oposição, pisada e esculhambada ao longo dos últimos meses, ainda tem fôlego para sair da lona. Foram às urnas eleitores de regiões, quase todas, nitidamente democratas, e os resultados eram esperados. Mas o tamanho expressivo das vitórias anti-Trump acendeu um sinal de alerta na tropa trumpista: é bom abrir o olho, porque as eleições de meio de mandato que renovam o Legislativo estão logo ali.

O tropeço vem justo em um momento em que a popularidade do presidente não passa de 37%, seu ponto mais baixo — culpa sobretudo dos preços que teimam em não cair e do shut­down recém-encerrado que afetou milhares com a suspensão de serviços federais. O triunfo mais barulhento, com certeza, foi o de Zohran Mamdani, deputado estadual de apenas 34 anos eleito, com mais de 50% dos votos, o primeiro prefeito muçulmano de Nova York, ainda por cima integrante da ala socialista do Partido Democrata — um “comunista radical”, na definição do presidente, com quem trocou farpas afiadas na campanha. “Se alguém pode mostrar a esta nação traída por Donald Trump como derrotá-lo, é esta cidade”, bradou Mamdani em discurso após os resultados.

TRIUNFO - Zohran: um prefeito democrata como a metrópole jamais viu
TRIUNFO - Zohran: um prefeito democrata como a metrópole jamais viuAndrew Lichtenstein/Corbis/Getty Images

Trump ficou especialmente mordido com o sucesso do imigrante nascido em Uganda, tanto pela destreza que ele demonstrou na linguagem das redes, com uma campanha viral que mobilizou um recorde de 2 milhões de nova-­iorquinos a irem às urnas, quanto pela apropriação do popularíssimo conceito da “acessibilidade” — devolver à população condições para uma vida de qualidade, plataforma que gostaria de pregar no Partido Republicano. É certo que Nova York é um mundo à parte e não retrata os grotões americanos, mas as promessas populistas do novo prefeito sobre redistribuição de renda e justiça social conseguiram ressonância em meio à alta do custo de vida, uma pedra no sapato republicano. “Foi o tema central destas eleições. Trump se vende como um experiente homem de negócios e prometeu aliviar a inflação, mas até agora não entregou”, avalia o cientista político David Lublin, da American University.

Na corrida pelo governo de Nova Jersey, Mikie Sherrill superou o rival republicano em 14 pontos percentuais, a mais ampla vitória democrata em cinco anos por lá. Na pendular Virgínia, lar de 320 000 funcionários do governo federal afetados pelo mais longo shutdown na história do país, o governador republicano foi substituído pela democrata Abigail Spanberger com margem de 15 pontos de diferença. Outras disputas menores viram democratas conquistarem assentos em legislaturas estaduais, inclusive no vermelhíssimo Mississippi. Em matéria de dinâmica eleitoral nas midterms de 2026, porém, o resultado mais significativo saiu de um plebiscito na Califórnia que aprovou por ampla maioria a Proposição 50, que permite o redesenho do mapa eleitoral do estado. A nova configuração cria cinco distritos onde os votos são consistentemente democratas, uma prática conhecida como gerrymandering, que gera maiorias artificiais e facilita a ocupação de cadeiras partidárias na Câmara e no Senado.

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SINAL DE ALERTA - O republicano: um tropeço na marcha com o ressurgimento — tímido, é fato — da oposição
SINAL DE ALERTA – O republicano: um tropeço na marcha com o ressurgimento — tímido, é fato — da oposiçãoANdrew Caballero-Reynolds/AFP

No estado, uma comissão independente define o tal redesenho a cada década, com base no censo nacional. Agora, quase 65% dos californianos concordaram em atropelar a comissão para garantir mais deputados e senadores democratas na próxima votação — prática que em outros tempos seria considerada antiética, mas que se torna cada vez mais comum e é, inclusive, apoiada e estimulada pela Casa Branca. A Proposição 50 foi uma resposta direta a uma medida semelhante no Texas, onde deputados republicanos, a mando de Trump, criaram cinco novos distritos que beneficiam seu próprio partido, sendo seguidos, em menor escala, por outros três estados vermelhos até agora. Do lado democrata, além da Califórnia, Utah também terá um novo mapa que favorece o partido. “O redistritamento pode ser a chave para determinar quem vai controlar o Congresso”, afirma o professor de política americana Peter Finn, da Universidade Kingston, em referência às eleições de meio de mandato em novembro próximo. Trump, é claro, não vai ficar parado. Até lá, a motoniveladora vai trabalhar a todo vapor.

Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970

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