A Tailândia e o Camboja passaram a vivenciar uma grave escalada das tensões nas últimas 48 horas. Confrontos deixaram ao menos dez mortos até esta terça-feira, 9, e forçaram a fuga de dezenas de milhares de pessoas. O aumento da violência ocorre quase um mês após o rompimento de um acordo de paz, que foi selado em outubro com mediação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Os combates já se espalharam por seis províncias do nordeste tailandês e cinco do norte cambojano. Até o momento, sete cambojanos foram mortos por bombardeios tailandeses, com cerca de 20 feridos. Do outro lado, três soldados morreram, enquanto mais de 125 mil moradores foram levados a abrigos temporários.
Ambos os lados trocam acusações, Na segunda-feira, 8, o Exército da Tailândia afirmou que os bombardeios foram uma reação a combates na fronteira que deixaram um de seus soldados morto e outros quatro feridos. A Força Aérea do país anunciou, então, ataques contra alvos militares em várias áreas, acusando o Camboja de mobilizar armamento pesado e reposicionar unidades de combate.
O Ministério da Defesa do Camboja, por sua vez, culpou a Tailândia pelo agravamento. Em nota, afirmou que as forças tailandesas lançaram ataques contra seus militares sem provocação nesta segunda e que o Camboja não retaliou, apesar das “ações provocativas por muitos dias”. Entenda abaixo o que levou à reativação da disputa– e o que está em jogo.
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Hostilidade histórica
Em outubro, Trump supervisionou a assinatura de um acordo de cessar-fogo que ele próprio intermediou para pôr fim a um conflito de cinco dias que eclodiu entre Tailândia e Camboja em julho. Pelo menos 48 pessoas morreram durante os combates e 300 mil foram forçadas a deixar suas casas. Apesar da trégua, as tensões continuaram altas, com trocas de acusações de violações.
O conflito que estourou em julho foi resultado de um aumento gradual nas tensões. No mês anterior, soldados de ambos os países trocaram disparos na fronteira, matando um militar cambojano. Isso levou a uma série de ações de retaliação por parte de ambos os governos, que desaguaram numa guerra. Após a intervenção de Trump, além de esforços diplomáticos da Malásia e da China, um cessar-fogo foi acordado — o republicano ameaçou suspender todas as negociações comerciais com o Camboja e a Tailândia até que houvesse um acordo de paz.
Mas, no início de novembro, Tailândia acusou o Camboja de instalar novas minas terrestres após a remoção de uma cerca de arame farpado. Na época, o porta-voz do Exército Real Tailandês, Winthai Suvaree, destacou que a retirada do alambrado “viola a declaração conjunta assinada e inevitavelmente afetará a posição da Tailândia e vários acordos”. O acordo foi, então, rompido por Bangkok. Phnom Penh, por sua vez, negou “categoricamente as alegações” e disse que estava “gravemente preocupado” com a decisão tailandesa.
“A maioria dos campos minados, remanescentes de quase três décadas de guerras civis no Camboja, nas décadas de 1970 e 1980, ao longo da fronteira entre Camboja e Tailândia, ainda não foram removidos devido ao terreno acidentado e à falta de demarcação das áreas fronteiriças”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores do Camboja em comunicado.
Os dois países têm uma relação complexa há décadas, variando entre cooperação e hostilidade. Tailândia e Camboja compartilham uma extensa fronteira de 800 quilômetros, que foi definida pelos franceses quando Phnom Penh ainda era colônia. A divisa é palco frequente de disputas territoriais por locais históricos e tempos — uma questão não abordada pelo acordo de paz de Trump — e de consequentes combates.
O Camboja já solicitou anteriormente uma decisão do Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre as áreas disputadas. A Tailândia, contudo, não reconhece a jurisdição do tribunal e alega que a região nunca foi plenamente demarcada.