ROBERTO DUAILIBI costumava dizer que a publicidade e o jornalismo andavam juntos. E sua trajetória comprova a força dessa união. Fundador da DPZ e nome central da propaganda brasileira, Duailibi viveu de perto a construção de algumas das revistas mais emblemáticas da Editora Abril, desde o Pato Donald até a ousada capa de estreia de VEJA. Pouco antes de seu falecimento, no dia 18 de julho, nos concedeu esta entrevista inédita, compartilhando de forma generosa as memórias da Abril e suas próprias. Duailibi falou sobre a amizade com Victor e Roberto Civita, da censura nos tempos de ditadura, das campanhas que marcaram época e da relevância que a Abril e as bancas tiveram para o país. A conversa fez parte da série especial de 75 anos da Editora Abril e, agora, ganha também o senti do maior de celebrar uma trajetória que inspirou e inspira gerações, além de um tributo à sua inteligência, bom humor e importância histórica.
Dr. Roberto, sei que o senhor acompanhou muito de perto a história da Abril. Mas como começa sua relação com a editora? A minha relação com a Abril remonta aos primórdios da empresa. E fico muito satisfeito de saber que estamos comemorando os 75 anos da editora, significa que estou trabalhando há 75 anos, no mínimo. Eu comecei lendo Pato Donald e atendendo a um pedido do Victor Civita, que queria lançar a Bíblia mais bela do mundo. Era um projeto gigantesco e exigia muito trabalho. Me aproximei de quem fez parte desse projeto, principalmente do sr. Victor, e quando o Roberto (Civita) voltou ao Brasil e assumiu a posição na Abril, também viramos muito amigos.
Com essas relações tão próximas, o senhor viveu os bastidores do jornalismo naquela época. Poderia compartilhar alguma história que venha à memória? Eu vou contar a história sobre o lançamento de VEJA, que nasceu de um ciúmes do Victor Civita com relação ao Adolfo Bloch. Ele queria ter uma revista semanal também. A revista tinha que ter um viés político, de oposição. E o regime militar era um regime muito fechado. Fomos chamados para fazer o lançamento de VEJA e o grande desafio era que tinha que ter um choque que marcasse a vida da revista. Foi sugerido – não sei se fui eu que sugeri, se foi o Júlio Cosi ou o próprio Roberto – colocar na capa a foice e o martelo, e cobrir as cidades com cartazes, na certeza de que criaríamos um fato político importante. Escolhemos uma data que chovesse, porque tinha a superstição de que as revistas só faziam sucesso se elas fossem lançadas em dia de chuva.
E choveu? Sim, foi uma coisa impressionante. Pensar isso hoje é ridículo, mas era um tipo de superstição. Ela foi lançada e criou impacto, mas o Governo não teve coragem de se meter. E a VEJA passou a ser a revista mais importante do Brasil. A revista que definia o pensamento do brasileiro.
Tem alguma outra capa marcante da qual o senhor se lembre? A gente gostava, evidentemente, de escolher a capa da Playboy. E, você vê, foi um período da história em que a mulher era sensual pela simples exibição do seu pé. Playboy foi uma ousadia que a censura desejava que não fosse publicada. Nós passamos períodos difíceis no negócio de comunicação. E a Abril corajosamente nunca cedeu às pressões, que eram muito brutais.
Quais foram as histórias da ditadura que marcaram o senhor? Nós tivemos episódios tristes, mas também engraçados. A DPZ era muito vigiada pela censura, a tal ponto que fomos a única agência processada pela Polícia Federal por causa de um anúncio. Eu era obrigado a ir todas as vezes na censura e fiz até amizades. A mulher de um censor virou nossa espiã, voluntariamente. Em uma ocasião, ela nos avisou que iriam recolher a revista Claudia das bancas porque estávamos lançando o Sempre Livre, da Johnson & Johnson, e um pedaço do texto falava em disfarçar o odor da menstruação – e eles queriam que a gente preservasse a imagem romântica da mulher. Eram critérios absoluta-
mente idiotas. A vocação do censor era odiar quem estava produzindo coisa boa.
Nessas experiências todas, o jornalismo e a publicidade trilharam juntos, certo? Uma coisa não existe sem a outra. Até no desenvolvimento das tecnologias. Os anúncios eram praticamente feitos à mão. A Abril produzia revistas bem diagramadas, com tipografia pré-existente, contratando grandes diretores de arte, e isso influenciou as agências, que tinham que melhorar a qualidade dos seus materiais também. As revistas eram o veículo ideal para anunciar e, com isso, crescemos juntos.
“Ajudei a lançar a VEJA em meio à ditadura. Criamos impacto e ela passou a ser a revista mais importante do Brasil, a que definia o pensamento do brasileiro”
O senhor tem alguma revista que gosta mais? A Superinteressante é um fenômeno engraçado, porque eu tenho assinatura de tudo, mas não de Superinteressante, porque um dos meus prazeres é ir à banca comprar. E dedico uma parte substancial do meu tempo à leitura. Também gosto de Claudia, de VEJA. A qualidade das capas e dos textos continua.
E como o senhor enxerga o futuro para essas áreas? A coisa mudou muito. Mas continuam sendo profissões emocionantes e importantíssimas para a cultura brasileira. Eu queria dar os parabéns pelos 75 anos e fico muito orgulhoso de participar desse momento, porque sou um sobrevivente da comunicação. E desejo boa sorte nos próximos 75. Espero que a leitura continue a ser uma coisa importante. Nós vamos ver revoluções impressionantes daqui por diante.