Sanae Takaichi tem que comer muito sushi para chegar aos pés de Margaret Thatcher, modelo de praticamente todas as mulheres de direita – embora a primeira-ministra britânica ficasse uma fera se fosse tratada como “mulher”, ou seja, recebesse algum tipo de tratamento condescendente por causa dos cromossomas XX. Takaichi não corre esse risco: por ser de direita, vem recebendo mais golpes do que lutador de karatê, alguns por motivos justos, outros por discriminação ideológica.
Mas é fato que poucas mulheres no mundo tiveram a chance de emular Thatcher como Sanae Takaichi, que começa o governo logo com um encontro com Donald Trump, para o qual está fazendo uma espécie de intensivão no qual aprende a apelar a pontos sensíveis do presidente americano, como compra de soja americana e um investimento japonês de 550 milhões de dólares nos Estados Unidos inventado por ele. Quem vai negar? Um país que se vê apertado por tarifas de 15%? E pressões para aumentar as contribuições para a própria segurança?
A questão do gasto em defesa é existencial para o Japão, que vê aumentar o risco de um conflito “logo ali”, em Taiwan, sem contar os foguetes norte-coreanos que volta e meia cruzam os céus do país, em testes simplesmente apavorantes, inclusive pela capacidade nuclear do país. Considere-se as inimizades históricas como pano de fundo: o Japão militarista do começo do século XX cometeu as maiores atrocidades na China e na Coreia, ambos colocados sob um jugo colonial que fazia parecer o domínio britânico um passeio no pub.
As mais extremas manifestações de direitismo radical da nova primeira-ministra decorrem justamente das tentativas de amenizar essas páginas sombrias da história japonesa. A forma mais pública de fazer isso é visitar o templo Yasukuni, um memorial para os mortos na guerra que é usado justamente para as tentativas revisionistas da história japonesa – e, ressalte-se, não apenas por direitistas. Muitos japoneses têm um senso de superioridade étnica muito arraigado, mesmo depois de todos os males que esse sentimento contribuiu para provocar no país.
CICLO DA ESTAGNAÇÃO
A grande ironia histórica do Japão é que a China, tão menosprezada e maltratada, se transformou na maior potência asiática, com aspirações a substituir os Estados Unidos como potência hegemônica. O Japão hoje tem um PIB de 4 trilhões e a China, de 19. Não existe exemplo no mundo de mais doce revanche.
Ser linha dura em relação a acontecimentos históricos, como Takaichi, não ajuda muito. Existe ainda o problema adicional dos quase um milhão de chineses que trabalham no Japão e são o alvo principal das queixas contra a presença estrangeira no país – os brasileiros ficam num lugar bem distante.
Em caso de conflito por causa de Taiwan, que a maioria dos analistas considera praticamente inevitável, o Japão se veria com uma grande população estrangeira hostil. Só para lembrar: o Japão tem uma constituição pacifista (imposta pelos Estados Unidos depois da vitória na II Guerra e que políticos como Sanae Takaichi querem mudar), com estrita proibição de armas nucleares, e sua defesa no caso de um conflito com a China depende inteiramente dos americanos.
Em troca do incentivo para desistir das armas para sempre, o que fazia sentido no pós-guerra, o Japão teve ajuda para o extraordinário desenvolvimento econômico que o transformou no primeiro caso asiático de sucesso. O padrão de vida no país, tanto por fatores econômicos quanto culturais, é excepcional. Mas o Japão também é um país que parou e, mesmo com uma posição tecnológica de destaque, não consegue romper o ciclo da estagnação.
METAL PESADO
O primeiro-ministro que mais se esforçou para quebrar a praga da estagnação foi o primeiro-ministro Shinzo Abe, um homem bonitão e carismático, o verdadeiro modelo de Sanae Takaishi. Abe desenvolveu uma sólida amizade com Donald Trump, algo que parece impossível entre dois líderes de países com interesses que nem sempre convergem. Trump, bem como o Japão inteiro, ficou chocado quando ele foi assassinado fazendo um simples comício de rua em favor de um candidato local, em 2022, por um homem que o acusava de ligações com a igreja criada pelo reverendo Moon, o sul-coreano fundador da poderosa seita.
A nova primeira-ministra possivelmente vai seguir os princípios da abenomics, a política econômica criada por seu mentor para chacoalhar a estagnação. Nada indica que fará políticas de choque e de grande ousadia, como Margaret Thatcher. Ela tem uma atuação discreta e o país foi pego de surpresa com sua ascensão. Comparou seu papel, no começo de carreira, no mundo exclusivamente masculino do Partido Liberal Democrático, ao de uma formiga em relação a um elefante.
De tailleurs antiquados (geralmente azul Thatcher) e o obrigatório colar de pérolas, com conservadíssimos 64 anos, ela não lembra a metaleira que num passado não muito distante gostava de tocar bateria e andar de moto. Mas o Japão bem que precisava de um metal pesado para se reinventar. Nem que seja para dar um age-zuki ou um ura-zuki aqui e ali, como numa simbólica luta de karatê, uma tarefa que Sanae Takaichi não parece talhada para fazer – mas não terá sucesso se não fizer.