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Pampa sofre erosão silenciosa e já perdeu quase metade da vegetação nativa

O Pampa, bioma que cobre o extremo sul do Brasil, vive uma erosão silenciosa. De acordo com levantamento do MapBiomas, cerca de 45,6% da vegetação nativa do bioma já estava ocupada por atividades humanas em 2024.

Em pouco menos de quatro décadas, o avanço de lavouras, pastagens exóticas e plantações de eucalipto transformou 8,8 milhões de hectares de campos nativos em áreas produtivas.

O ritmo e a extensão da perda fizeram do Pampa o bioma brasileiro que mais sofreu proporcionalmente desde 1985.

A expansão agrícola foi o principal vetor dessa transformação. O cultivo de soja, que há 30 anos era quase inexistente no bioma, tornou-se dominante em diversas regiões do Rio Grande do Sul.

Segundo o MapBiomas, as áreas agrícolas cresceram 2,1 milhões de hectares no período, ocupando planícies antes cobertas por campos naturais e vegetação herbácea típica.

A silvicultura, sobretudo com eucalipto, também avançou com força: a área destinada a florestas plantadas aumentou mais de 1.600% desde os anos 1980, atingindo 720 mil hectares.

A pressão produtiva não vem apenas do agronegócio. As pastagens plantadas com espécies exóticas e as obras de infraestrutura, estradas, cercas e áreas de mineração, fragmentam a paisagem, dificultam a regeneração natural e alteram o microclima local.

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A compactação do solo, o escoamento superficial e a perda de biodiversidade se somam aos impactos diretos do desmatamento.

Os campos nativos do Pampa, que abrigam mais de 50 espécies de plantas por metro quadrado, são substituídos por monocultivos homogêneos, empobrecendo o solo e reduzindo os serviços ecológicos, como a regulação hídrica e o sequestro de carbono.

A situação é agravada pela baixa proteção legal. Apenas 3% do território do Pampa estão sob alguma categoria de unidade de conservação, o menor índice entre todos os biomas brasileiros.

Essa vulnerabilidade institucional faz do Pampa um território de fácil conversão: sem barreiras de proteção, a fronteira agrícola avança, movida por incentivos econômicos e pela ausência de fiscalização efetiva.

O bioma, que ocupa cerca de 2% do território nacional e se estende também por Argentina e Uruguai, tem sido sistematicamente ignorado no debate ambiental brasileiro, ofuscado pela atenção dada à Amazônia e ao Cerrado.

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Apesar de o desmatamento ter caído 42% no Rio Grande do Sul em 2024, com 896 hectares suprimidos no ano — segundo o Relatório Anual de Desmatamento (RAD 2024) —, a redução pontual não reverte as perdas acumuladas. “Esse nível de transformação das paisagens do Pampa, com grandes perdas acumuladas de vegetação nativa, demanda uma reflexão sobre o futuro do bioma”, afirma Heinrich Hasenack, coordenador da pesquisa do MapBiomas. Segundo ele, a vegetação nativa é essencial para o equilíbrio ecológico e para a resiliência do bioma diante das mudanças climáticas.

As mudanças no regime de chuvas no sul do país, com secas prolongadas e eventos extremos mais frequentes, tendem a agravar o quadro.

A degradação dos solos e a redução da cobertura vegetal comprometem a capacidade do bioma de armazenar água e resistir à desertificação.

No oeste gaúcho, há registros crescentes de áreas arenizadas, uma forma de degradação semelhante à desertificação, causadas pela retirada da cobertura vegetal e pela erosão.

Outros biomas também perdem cobertura nativa

Embora o Pampa seja o mais afetado proporcionalmente, o desmatamento segue avançando nos outros biomas brasileiros.

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O Cerrado é hoje o epicentro da destruição em área absoluta: em 2024, respondeu por 52,5% de todo o desmatamento registrado no país, o equivalente a 652 mil hectares.

A expansão da soja e da pecuária no Matopiba (região que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) explica três quartos das perdas.

Em quatro décadas, o Cerrado perdeu 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa — cerca de 28% de sua cobertura original.

Na Amazônia, embora o ritmo de destruição tenha desacelerado, o bioma ainda acumula perdas gigantescas. Desde 1985, foram suprimidos 52 milhões de hectares de floresta, o que equivale a 13% de sua extensão.

Hoje, 15,3% da Amazônia brasileira já foi convertida para uso agropecuário. O dado mais alarmante vem das pastagens: sua área saltou de 12 milhões para 56 milhões de hectares entre 1985 e 2024.

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A expansão da soja também deixou marcas, ocupando 5,9 milhões de hectares no bioma.

Pesquisadores alertam que, se a Amazônia ultrapassar 25% de perda da cobertura florestal original, pode atingir um ponto de não retorno, transformando-se em uma savana seca.

A Mata Atlântica, por sua vez, é o bioma mais devastado em termos proporcionais. Restam menos de 12% de sua vegetação original. Entre 1985 e 2024, perdeu 4,4 milhões de hectares, o equivalente a 11% de sua cobertura remanescente.

A devastação é histórica e concentrada nas áreas mais urbanizadas e economicamente dinâmicas do país, o que dificulta a restauração.

Mesmo com leis específicas de proteção, como a Lei da Mata Atlântica, a pressão sobre os fragmentos florestais remanescentes continua, especialmente nas regiões metropolitanas e no litoral.

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Na Caatinga, o desmatamento é mais lento, mas igualmente preocupante. Em 40 anos, o bioma perdeu 9,2 milhões de hectares de vegetação nativa, cerca de 15% do total.

A degradação é agravada pela seca, pelo uso intensivo da lenha e pela expansão da pecuária extensiva. A desertificação já afeta parte do sertão nordestino, e a regeneração natural das áreas degradadas é lenta devido às condições climáticas adversas.

Um retrato do Brasil natural

O retrato que emerge dos dados do MapBiomas é o de um país que, embora tenha reduzido o ritmo do desmatamento em 2024, continua perdendo vegetação nativa em todos os seus biomas.

A Amazônia e o Cerrado concentram a maior área desmatada; Pampa e Mata Atlântica, as maiores perdas proporcionais; e a Caatinga, a mais vulnerável às mudanças climáticas.

O Brasil já perdeu mais de 111 milhões de hectares de áreas naturais desde 1985, o equivalente ao território do Peru.

Em todos os casos, o desmatamento avança mais rapidamente do que a capacidade de regeneração.

A devastação silenciosa dos campos do sul, que há décadas moldam a paisagem gaúcha, é um lembrete de que a destruição ambiental não acontece apenas nas florestas tropicais.

Ela se espalha, discretamente, por biomas esquecidos, corroendo a diversidade e a identidade ecológica de um país inteiro.

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