No Brasil há dois anos, a cubana já fez algumas colaborações com Conceição Evaristo, foi à Bienal do Livro do Rio de Janeiro na quinta-feira, 19, para abordar temas como memória e resistência da população negra na América Latina. Em sua literatura, Teresa conta a história de Cuba para além do que é dito nos livros de história, que, em sua opinião, invisibiliza a população negra. Em entrevista à coluna GENTE, a escritora crítica como a trajetória oficial cubana está ligada à branquitude, além de relatar a preocupante realidade econômica no país.
Como Cuba atravessa sua escrita? Nós, cubanos, somos pessoas muito intensas em tudo o que fazemos, com muita força, com muito interesse. Enfrentamos a vida e as dificuldades, principalmente nos últimos anos. Cuba tem muitos rostos, mas esse rosto negro, o rosto feminino, o rosto da menina negra, não são comuns. É interessante, às vezes, quando tenho a oportunidade de visitar outros países e as pessoas de lá pensam que sou de qualquer país, exceto Cuba. Minha literatura retrata isso, essa Cuba invisível.
Isso se deve a quê? As pessoas se conectam com a visão de Cuba por meio das imagens que chegam até elas. Cuba abusa da presença de mulheres, mestiças, como chamamos de mulatas, que supostamente é um símbolo de charme, um símbolo de alegria, sensual. A presença negra, especialmente a feminina, não é vista nas informações turísticas, que é o que a maioria das pessoas sabem, como a revolução, Fidel Castro, e assim por diante.
E qual a importância da literatura para isso? Você não vê mulheres em nenhum desses espaços, e é por isso que muitas autoras negras em Cuba dizem que nossa escrita tem uma missão profunda, intensa e total, porque isso significa que estamos aqui. Nossas vidas também importam, nossas vidas contam, temos algo a dizer, queremos ser ouvidas e não queremos mais ser invisibilizadas. Portanto, fazemos parte desta nação; isso é incrivelmente importante para nós.
Cuba tem passado por períodos econômicos conturbados. Como é lidar com isso em seu próprio país? Conseguir um prato de comida é uma missão complicada, estamos cheios de histórias de mães chorando, porque não têm nada a dar para seus filhos. Nos últimos três anos, o nível de êxodo tem sido alto, o futuro de Cuba está comprometido, a população em geral não consegue encontrar alternativas para suas vidas. Parece-me que em Cuba sempre houve migração econômica, mas ultimamente há também migração por motivos políticos, com pessoas que querem fugir porque não gostam do sistema político cubano, que nos últimos anos também tem sido muito mais repressivo. Não temos liberdade de expressão.
Em seu livros, você também discute sobre as relações entre países da América Latina. Qual é esse vínculo cultural no campo sociopolítico? O vínculo principal começou amargamente, cruelmente, com a colonização dos nossos povos, e a partir daí se espalhou culturalmente na fala, no modo de ser e assim por diante — esse é o ponto principal. Mas, além disso, compartilhamos muitas coisas, não apenas a geografia, as maneiras de ver o mundo, as maneiras de ver tudo; tem a ver, acima de tudo, com a nossa visão cultural e raízes. Compartilhamos a dor de povos irmãos.
Por que decidiu morar no Brasil? Não decidi viver aqui, estou apenas passando um tempo para tirar um tempo de folga, eu precisava de um tempo de paz. Trabalhar em Cuba é muito difícil, tenho tantas outras preocupações. Eu sou uma mãe que teve que cuidar dos meus filhos, para que eles não faltassem nada, e o principal era que não lhes faltasse comida. Com essas preocupações na minha mente, no meu coração, eu não conseguia voar para encontrar as histórias.
E por que logo o Brasil, país de língua portuguesa? Vamos ser honestos, nunca pensei em vir para cá para viver. Sempre pensei em ir para a Espanha, para os Estados Unidos… para os cubanos é um é importante lugar para a migração. Também tenho família na Europa e pensei em ir para vários lugares, para a Costa Rica, onde também tenho família. Mas bem, a oportunidade me foi dada aqui no Brasil e eu a aproveitei. Além de desenvolver minha literatura, também estou publicando muito mais aqui.
Que tipo de literatura brasileira te inspira? Tive a oportunidade de participar de uma edição da Conceição Evaristo publicada em Cuba e estou muito feliz de ter contribuído. Aqui, é claro, gosto da Carolina Maria de Jesus e outras mulheres negras que conheço. Mas Conceição para mim é a grande dama da literatura pró-brasileira, a rainha, e ouvi-la é sempre uma lição, uma aula magistral.
Você aborda algumas questões sobre a memória dos personagens por meio das memórias da escravidão. Por que decidiu abordar o tema dessa perspectiva? Essa é a principal abordagem para esse momento tão doloroso e especial no meu país. Para mim, é importante não apenas ouvir suas vozes para escrever o que me dizem, mas fazer com que essas mesmas palavras cheguem aos leitores. Acontece que, em Cuba, a abordagem adotada para esse período da história cubana me deixa insatisfeita, que geralmente é escrita por autores brancos. Acredito que as pessoas precisam contar a sua própria história e, embora eu possa não abordar esses tópicos com a profundidade que um estudioso da história cubana em geral teria, isso me ajudou a entender a minha própria identidade.
Em Cachorro velho (Perro Viejo) você contou a história de um escravo. Como é escrever sob o ponto de vista de um personagem masculino? Eu acredito que histórias são sussurradas para mim; às vezes me considero, de uma forma um tanto artesanal, uma mensageira, para aquelas pessoas que não tinham voz. Em Perro Viejo foi a primeira vez que narrei a partir de um personagem masculino, e foi difícil, claro, mas os personagens me deram a oportunidade de trazer à luz como eles eram. Há um momento em que o personagem de Perro Viejo diz que não teve a oportunidade de viver de outra forma, mas que se recusou a se render à morte. Quer dizer, apesar daquelas pessoas serem oprimidas, elas conseguiram resistir, sobreviver e deixar um legado
É uma maneira de contar essas histórias de uma outra perspectiva? Quando eu era criança, a presença dessas pessoas escravizadas era apresentada nos livros de história, apenas como uma imagem. Você via pessoas negras acorrentadas umas atrás das outras, e nada mais era visto. Mostravam às crianças essas imagens de escravizados quase nus e depois ridicularizavam as crianças negras na sala de aula: “Olha, ela parece sua tia”. É importante saber que a nossa história não começa com a escravidão. Não se fala sobre toda a diversidade cultural que existe em toda a América Latina, entre toda a população negra.
E como essa diversidade é mostrada em Cuba? Em Cuba há uma longa história de revoltas de escravos, uma longa história de resistência, mas ainda há muitas famílias negras que não sabem disso, que não querem falar sobre isso. Acho que isso foi passado de geração em geração e muitas coisas se perderam. Há agora um movimento de pessoas resgatando nossas histórias, nossas memórias.
Você também aborda a maternidade em seus livros. Ser mãe mudou sua escrita? Essa presença feminina maternal está sempre presente nos meus livros. Na maternidade aprendi a ser mais paciente, entender que não estava mais sozinha neste mundo. Tenho três filhos e com eles aprendi a seguir em frente com mais firmeza, a ser mais resiliente, a lutar mais por mim e por eles. Ser mãe me tornou uma pessoa melhor.