Desde a primeira campanha presidencial em que Lula se apresentou nas urnas, o discurso fácil de taxação sobre grandes fortunas foi adotado pela esquerda como um mecanismo supostamente eficaz para se conseguir justiça tributária e diminuir o fosso que separa os ricos dos extremamente humildes no Brasil.
Em um país em que o 1% mais rico concentra mais de 27% da renda nacional, taxar grandes fortunas de brasileiros por meio de um imposto específico, o IGF, pode de fato parecer uma solução sedutora, mas a experiência mundial mostra que não é bem assim. Com o tema de volta à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), ministros que integram a Corte pretendem usar o julgamento iniciado no último dia 23 para forçar a classe política a debater o emaranhado tributário de forma mais racional. O caso volta à pauta no próximo dia 5.
Para integrantes do Supremo, a despeito de a comparação não ser equivalente, o governo, em busca de justiça tributária, deveria focar em outros tipos de impostos sobre o patrimônio, como o de propriedade rural, o sobre os dividendos, o de transmissão imobiliária e mesmo um imposto digital, como hoje debatido na Europa.
“Não é razoável que big techs paguem alguma coisa para o sistema previdenciário se elas lucram aqui?”, questionou um dos ministros. “O conceito de imposto sobre grandes fortunas tem de abranger questões muito mais complexas do que apenas taxar patrimônios a partir de um determinado valor”, continuou.
Entre ministros do STF, a avaliação é a de que o tema das grandes fortunas já está em debate no Congresso Nacional, ainda que não nos mesmos moldes idealizados pela Constituição, que desde 1988 prevê a possibilidade de criação do tributo, ainda que sequer defina o que de fato seria uma grande fortuna.
A proposta do ministro da Fazenda Fernando Haddad de implantar um imposto gradual para pessoas que recebem acima de 50.000 reais mensais se enquadraria neste contexto, embora a função arrecadatória do texto defendido pelo governo não coincida com a proposta de um imposto sobre grandes fortunas, de semielasticidade alta, na casa dos 25%. Isso significa que, nos países que implementaram o imposto sobre grandes fortunas, quanto mais se aumentou o imposto, menos patrimônio o Erário encontrou para ser taxado.
Nos mais de 30 projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional nas últimas décadas, não há sequer definições mínimas do que seria uma grande fortuna e sobre que tipo de patrimônio o imposto deveria incidir. Em uma votação no ano passado na Câmara, os patamares de incidência de um hipotético imposto sobre grandes fortunas foram ainda maiores: 10 milhões de reais, segundo os parâmetros da federação PSOL-Rede, que defendeu que esse tipo de taxação fosse inserida nas discussões da reforma tributária.
“As crises econômicas ou mesmo o medo de uma crise econômica chegar faz com que esse tipo de tributo ganhe apelo popular, mas é altamente subjetivo definir o que é uma grande fortuna. Entre os projetos de lei em tramitação no Congresso, por exemplo, há proposições que definem grande fortuna a partir de um patrimônio a partir de 2 milhões de reais e outras em que o patamar mínimo é de 10 bilhões”, diz Larissa Longo, pesquisadora do Insper que analisou os efeitos econômicos de impostos sobre milionários a partir de experiências internacionais.
O debate sobre a necessidade de taxar contribuintes com maior poder aquisitivo ganhou fôlego e status de pauta eleitoral com a aprovação, na Câmara dos Deputados, da ampliação do Imposto de Renda para quem ganha até 5.000 reais. Plataforma do presidente Lula para as eleições de 2026, a proposta veio acompanhada de uma nova roupagem para a taxação dos mais ricos: a criação de um imposto de até 10% para quem ganha a partir de 600.000 reais por ano.
No caso do Supremo, que discutirá a eventual obrigatoriedade de a classe política taxar grandes fortunas, a ideia é, segundo um dos juízes que participará do julgamento, que a Justiça apenas mostre que existem diferentes mecanismos de tributação menos obsoletos e ideológicos que o IGF.