A lista de precatórios inscritos para o orçamento de 2024 da Prefeitura de São Paulo, o município mais rico do país, revela uma fila de 11.519 cidadãos.
São pessoas que venceram de forma legítima na Justiça e deveriam receber o pagamento de seus direitos, mas que, em muitos casos, não terão essa chance.
Dados da OAB de São Paulo mostram que 1.329 brasileiros nessa fila de precatórios da gestão paulistana já morreram.
De acordo com Vitor Boari, presidente da Comissão Especial de Assuntos Relativos a Precatórios Judiciais da OAB-SP e presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público, a crise dos precatórios no Brasil há muito deixou de ser uma discussão sobre finanças e se tornou um escândalo público, que afeta milhares de pessoas direta e indiretamente.
“Este não é um dado, é um atestado de óbito da eficácia do sistema judicial e da palavra do Estado. A recém-promulgada Emenda Constitucional 136/2025, originada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023, não chega, portanto, como uma solução, mas como a lápide que oficializa, prolonga e perpetua essa tragédia”, diz Boari.
“Demora-se tanto para o pagamento dos precatórios que esse direito muitas vezes acaba sendo transferido para os herdeiros”, segue o advogado.
Os números, na sua avaliação, quando despidos da frieza estatística, revelam uma tragédia humana de proporções alarmantes e que parece não encontrar eco na classe política e nos gestores municipais, estaduais e federal.
Essa fila da morte não é um fenômeno recente, mas um problema crônico que se arrasta ao longo da história. Relatos publicados muitos anos atrás pintavam um quadro desolador. Em 2009, a OAB já estimava que mais de 70.000 credores de precatórios haviam morrido no estado de São Paulo na fila de pagamento.
Nesse contexto, o advogado critica a aprovação da chamada “PEC do calote”, que institui limites para o pagamento de precatórios por municípios, vinculando os desembolsos a percentuais da Receita Corrente Líquida.
“A normalização dessa espera é tão profunda que o próprio sistema jurídico desenvolveu mecanismos para lidar com ela como se fosse uma ocorrência rotineira”, diz Boari. “Sob o pretexto da sustentabilidade fiscal, a EC 136 foi desenhada não para quitar a dívida, mas para torná-la impagável. Seu mecanismo principal é a amortização negativa: os pagamentos anuais feitos pelas prefeituras serão, em muitos casos, inferiores aos juros e à correção da própria dívida”.