Com a COP30 colocando Belém no centro das negociações climáticas globais, o Brasil reafirmou seu potencial para liderar uma economia de baixo carbono. É um dos poucos grandes produtores que combinam escala, produtividade tropical, ciência, bioenergia e restauração florestal. Embora o agronegócio responda por 29% das emissões nacionais, segundo o Observatório do Clima, o setor também detém ativos climáticos valiosos — como capacidade de mitigação e sequestro biogênico (captura de carbono por florestas e solos) —, cada vez mais valorizados por mercados e regulações internacionais.
Segundo um estudo da consultoria EY, práticas sustentáveis podem aumentar o desempenho do setor em até 26,5%, movimentando 247 bilhões de reais e evitando 328,6 milhões de toneladas de CO2 por ano. “O desafio está na falta de padronização, e a baixa qualidade dos dados ainda compromete os inventários de emissões”, afirma Otavio Lopes, sócio-líder de agro da consultoria na América Latina. Os gargalos estruturais, como a fragmentação da cadeia produtiva e a insuficiência de informações robustas, dificultam o mapeamento de emissões. Tecnologias como blockchain, georreferenciamento e auditorias independentes já são adotadas, mas falta escala.
Esses desafios foram tema do VEJA Fórum Agro, que reuniu especialistas, produtores e executivos em torno de um objetivo comum: alinhar métricas confiáveis, inovação e crédito para acelerar a transição no campo. A programação evidenciou a necessidade de alinhar tecnologia, governança e crédito para destravar projetos de baixo carbono em larga escala.

A consultoria KPMG reforça esse diagnóstico ao apontar o papel crescente das tecnologias regenerativas, como integração lavoura-pecuária-floresta, plantio direto e agricultura de precisão. “Essas práticas podem reduzir até 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente até 2030”, afirma Giovana Araújo, sócia-líder de agronegócio da KPMG no Brasil. Para ela, o protagonismo brasileiro se apoia em biotecnologia, manejo conservacionista e uma matriz energética estruturalmente mais limpa que a média global.
A discussão sobre descarbonização não se limita ao campo técnico. Fabio Marques, professor do Centro Agroambiental da Fundação Dom Cabral, alerta para a importância de o Brasil influenciar as regras internacionais que definem o valor climático. “Sem considerar os benefícios tropicais — como sequestro de carbono e biodiversidade —, o agro corre o risco de ser rotulado apenas como emissor.” Ele destaca que o Artigo 6.4 da Convenção do Clima, que regula o mercado de carbono, ainda não contempla plenamente a realidade das economias tropicais. Apesar de contar com matriz elétrica 90% renovável e décadas de inovação agrícola, o país ainda enfrenta dificuldades para traduzir esses diferenciais em reconhecimento global.
Na cadeia florestal, os sinais também são promissores. Germano Vieira, diretor florestal da Eldorado Celulose, destaca que o Brasil planta cerca de 2 milhões de árvores por dia. “Isso nos posiciona como líderes em produtividade florestal e capacidade de captura de carbono”, afirma. Segundo ele, 90% da energia consumida pela indústria florestal é de origem renovável — com destaque para o licor negro, subproduto da madeira que substitui combustíveis fósseis. Mas Vieira ressalta que, para consolidar o papel climático do setor, é fundamental investir em economia circular, ampliando o reaproveitamento de papel e madeira. Sem isso, parte do carbono capturado retorna rapidamente à atmosfera.
A eficiência produtiva tem sido outro trunfo brasileiro nessa transição. Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, durante o fórum notou que, em 35 anos, a produção de carne aumentou 220%, enquanto a área de pastagem foi reduzida em 16%. “Esse é um exemplo concreto de que é possível crescer sem ampliar a área ocupada.” No caso da agricultura, a produção de grãos multiplicou-se por seis em meio século, com crescimento de apenas 2,2 vezes da área cultivada. Para Lucchi, no entanto, é preciso avançar em políticas estruturantes. Ele defende segurança jurídica, regulação fundiária, previsibilidade e acesso a crédito em condições adequadas para que o setor continue evoluindo com responsabilidade ambiental.
Com mercados cada vez mais exigentes em rastreabilidade, transparência e responsabilidade socioambiental, a adaptação do agro brasileiro não é mais uma escolha — é um requisito. Se conseguir alinhar inovação, políticas públicas eficazes, inclusão produtiva e reconhecimento internacional, o país pode se consolidar como um dos protagonistas mundiais na luta contra a crise climática — não apenas como fornecedor de alimentos e energia, mas como parte ativa da solução.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição especial nº 2973
