Compreender por que alguns povos enriquecem enquanto outros permanecem estagnados é uma antiga inquietação da economia. A resposta, no entanto, pode ser resumida em duas ideias simples: o que permite que a riqueza seja criada e o que impede que ela seja destruída. É como o fogo — ele precisa de combustível e de uma faísca. Sem um ambiente propício, nada se acende; sem o impulso inicial, nada acontece.
Os prêmios Nobel de Economia de 2024 e 2025, tomados em conjunto, ofereceram a explicação mais completa até hoje para esse enigma. Em 2024, Daron Acemoglu, James Robinson e Simon Johnson foram premiados por ter mostrado o que é o combustível: as instituições inclusivas. Um ano depois, Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt ganharam o Nobel por ter explicado o que é a faísca: a inovação, o conhecimento e o processo contínuo de “destruição criativa”.
Essas duas forças, quando combinadas, formam a base da prosperidade moderna — e ajudam a entender o pouco desenvolvimento do Brasil, apesar de seu potencial.
A primeira parte dessa história começa com o trabalho dos laureados de 2024. Acemoglu e Robinson ganharam fama com a tese de que a riqueza das nações depende da qualidade de suas instituições (no sentido de regras do jogo). Países prósperos são aqueles que constroem regras claras e justas, em que o poder político é distribuído e a lei protege tanto o pequeno empreendedor quanto o grande empresário. Esse ambiente inclusivo cria segurança para investir, inovar e planejar o futuro.
O oposto disso são as instituições extrativistas — sistemas em que elites políticas e econômicas concentram poder e moldam as regras em benefício próprio. O problema não é apenas moral, mas econômico. Um sistema extrativista suga a energia vital do crescimento, eliminando os incentivos para inovar. Afinal, quem domina o mercado teme a mudança. Uma nova tecnologia que destrua um monopólio é uma ameaça àqueles que vivem de privilégios, não de eficiência.
Pense em um setor protegido por regulações que impedem a entrada de novos concorrentes. Se uma startup aparece com uma solução melhor, a reação natural dos incumbentes é usar o poder político para criar barreiras, comprar a tecnologia ou enterrá-la. É assim que as instituições extrativistas asfixiam a inovação — e é por isso que, antes de falar em crescimento, um país precisa garantir que a pólvora (combustível) esteja seca.
Isso não basta. É preciso a faísca — e é aí que entram os laureados de 2025. Philippe Aghion e Peter Howitt são os arquitetos da chamada teoria schumpeteriana do crescimento, uma releitura moderna da ideia de “destruição criativa”. Eles mostraram, com elegância matemática, que o crescimento de longo prazo não decorre de acumular mais máquinas ou capital, mas de inovações que substituem tecnologias antigas.
Cada avanço implica destruição. O automóvel extinguiu o ofício dos cocheiros. O smartphone acabou com o GPS de bolso, com as câmeras compactas e com os tocadores de MP3. A Netflix fez desaparecer as locadoras de vídeo. Cada perda individual trouxe um salto coletivo em produtividade e bem-estar. Aghion e Howitt demonstraram que esse processo contínuo de reinvenção é o verdadeiro motor da prosperidade — e que o papel do Estado não é frear a destruição, mas garantir que ela ocorra dentro de um jogo justo e competitivo.
O historiador econômico Joel Mokyr, por sua vez, explicou de onde vem a energia que alimenta essa centelha. Ele defende que a Revolução Industrial não foi um milagre, mas o resultado de uma mudança cultural profunda: o surgimento, na Europa, de uma “cultura do crescimento” (instituição). No século XVIII, o Iluminismo plantou a ideia de que o mundo podia ser compreendido e transformado. A ciência passou a ser compartilhada e os inventores ganharam prestígio, criando um ecossistema em que conhecimento, experimentação e debate floresciam livremente. Mokyr mostra que, sem esse ambiente cultural, a pólvora institucional não acenderia — e a faísca científica se apagaria no isolamento.
Com as duas peças juntas, fica evidente por que o Brasil tem dificuldade em sustentar o próprio crescimento. Somos um país que, historicamente, molha a pólvora e abafa a faísca.
Primeiro, as instituições. O Brasil carrega um legado de burocracia paralisante e protecionismo. Mantém regras que protegem os estabelecidos em vez de promover competição. Abrir uma empresa é um desafio hercúleo. A teia tributária e a insegurança jurídica desincentivam a inovação. Muitas agências reguladoras são capturadas pelos setores que deveriam fiscalizar. Enfim, as instituições parecem barreiras contra a mudança.
Além disso, é impossível construir uma cultura do crescimento com uma educação básica frágil, incapaz de formar jovens com domínio de matemática, ciências e linguagem. A carência na educação formal e técnica destrói a base do motor de Aghion e Howitt. E o ambiente social, avesso ao risco, pune o fracasso com estigma — quando, em economias dinâmicas, errar é parte natural do processo de descoberta.
Mesmo assim, há exceções que provam o potencial represado. A Embrapa transformou a agricultura tropical em uma potência global. As fintechs brasileiras, operando em um setor que se abriu à competição, mostram o que acontece quando a pólvora institucional e a faísca da inovação se encontram. Esses casos são minúsculos laboratórios do país que poderíamos ser.
O ensinamento dos premiados com o Nobel é claro: prosperidade não é um estoque a ser redistribuído, mas uma reação contínua a ser sustentada. Requer dois elementos na proporção certa: Um ambiente institucional estável, que garanta segurança jurídica, competição e igualdade perante a lei; e uma cultura que valorize o conhecimento, a ciência e o empreendedorismo criativo.
Sem isso, o crescimento se torna um fogo-fátuo — uma chama breve, seguida de fumaça. Com isso, o desenvolvimento se torna autossustentável, pois cada avanço alimenta o próximo.
Nenhum país prosperou sem cuidar dessas duas dimensões ao mesmo tempo. Sem combustível, não há chama. Sem faísca, não há combustão. Os “arquitetos da prosperidade” nos deram o diagnóstico e a receita. Cabe a nós, agora, acender o fogo — e mantê-lo vivo.
Bradson Camelo é Procurador do Ministério Público de contas do Estado da Paraíba, cientista de dados pela Universidade de Chicago (EUA), Mestre em Política Públicas pela mesma universidade, Mestre em Direito Econômico e em Modelagem Matemática Computacional pela UFPB e Economista. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE).
Luciana Yeung é Professora Associada I e Coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Law and Economics Foundation na Universidade de St Gällen (Suíça) e no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Curso de Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de outras publicações, todos na área do Direito & Economia.