counter Orgasmo guiado: o que são os áudios eróticos que não param de ganhar adeptos? – Forsething

Orgasmo guiado: o que são os áudios eróticos que não param de ganhar adeptos?

“Este episódio contém cenas picantes de atos sexuais. Recomendo que coloque os fones de ouvido. Agora, é só relaxar e gozar.” É com esse convite que a locutora e roteirista Malu Figueira, de 38 anos, recebe os ouvintes nos episódios do canal Sexlog, disponível no Spotify. Com mais de 2 milhões de plays por mês, o programa é parte da plataforma de mesmo nome, conhecida também por ser uma comunidade de relacionamento liberal e swing no Brasil.

Nessa parceria, Malu conduz experiências sensoriais com pegada ASMR — sigla para Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano —, um tipo de áudio criado justamente para provocar sensações físicas e de proximidade. Entre sussurros e trilhas sonoras, ela guia o ouvinte por contos eróticos, simulações de encontros e até masturbações guiadas. Tudo com uma narrativa envolvente, quase como se falasse no pé do ouvido. Do “oi, que bom que você chegou” até o clímax, cada detalhe é pensado para ativar a imaginação.

Formada em artes cênicas, Malu também comanda um projeto autoral: o podcast Gozei!. A proposta é parecida, mas com roteiros criados por ela mesma — sempre com atenção aos detalhes, como faz questão de frisar. A camisinha, por exemplo, nunca fica de fora quando a história envolve mais de uma pessoa. “Eu já queria trabalhar com sexualidade, e isso acabou tomando forma durante a pandemia”, conta. Desde 2022, o Gozei! acumula 541 mil reproduções e tem uma média de 6 mil plays mensais. E nessa onda, há ainda uma vasta opção de outros programas do gênero, como o Tela Preta, pantynova (esse com um toque de humor) e Pelos Lábios Dela.

Para Malu, os áudios eróticos são uma forma de resgatar a fantasia como parte viva da sexualidade. E com uma vantagem importante: sem recorrer ao padrão visual da indústria pornô — um universo que, segundo ela, é saturado de imagens forçadas e de objetificação, especialmente das mulheres e pessoas LGBTQIA+. “A ideia é justamente ir na contramão desse tipo de conteúdo, deixando tudo nas mãos — ou melhor, nos ouvidos — do estímulo auditivo e da imaginação. As pessoas podem ‘ser’ essa voz ou interagir com ela.”

A ciência por trás da excitação sonora

Segundo a psicóloga e sexóloga Ana Canosa, esse tipo de conteúdo tem ganhado força especialmente entre mulheres, justamente por oferecer uma alternativa ao modelo tradicional de pornografia, muitas vezes centrado no prazer masculino e em roteiros que reforçam estereótipos ou até situações de violência. “O som tem uma capacidade única de ativar a imaginação erótica. Ele exige que o cérebro preencha lacunas: o tom da voz, o ritmo da respiração, os sussurros… tudo isso ativa memórias, desejos e imagens mentais. É como se o cérebro entrasse em modo ‘roteirista’, despertando um erotismo mais subjetivo e interno.”

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Ela explica que o estímulo sonoro – uma possibilidade também por meio do ‘sexting por áudio’ – ativa não só áreas do cérebro ligadas à audição, mas também regiões envolvidas no prazer, como o sistema límbico, o hipotálamo e o núcleo accumbens. “O som mexe com a antecipação, o mistério, o desejo. E, para quem tem uma imaginação ativa ou é mais sensível aos sons, ele pode ser até mais excitante que imagens explícitas.”

A ginecologista e sexóloga Carolina Ambrogini, professora da Unifesp, também reforça o papel da fantasia como ferramenta essencial para o prazer, especialmente entre mulheres que enfrentam dificuldades com libido ou orgasmo. “A gente costuma falar dos dois Fs do orgasmo: fantasia e fricção do clitóris. Sem fantasia, fica mais difícil atingir o prazer, principalmente em relações longas ou em momentos de estresse.” Segundo ela, o áudio pode ser ainda uma ferramenta de autoconhecimento. “É menos invasivo, mais gentil. E pode funcionar também como educação sexual, especialmente para aquelas que nunca foram incentivadas a explorar os próprios desejos”, complementa Ambrogini, que faz parte do podcast Preliminares.

Fantasia tem suas preferências

E se o tema é fantasia, Malu já sabe bem o que costuma despertar mais curiosidade. Segundo ela, os episódios mais ouvidos são os que abordam fetiches como o cuckold (ou corno, em tradução livre). A palavra vem do inglês arcaico e remete ao homem traído pela parceira, mas, no universo das fantasias sexuais, o fetiche está na excitação ao imaginar ou ver a parceira tendo relações sexuais com outras pessoas.

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Outras histórias que fazem sucesso no canal são as de hipnose erótica, um tipo de simulação em que a pessoa é conduzida por comandos verbais até atingir um estado de entrega física e mental. Um dos episódios mais ouvidos, aliás, foi criado em parceria com um hipnoterapeuta, que roteirizou cada etapa da experiência. “Acho que esses fazem sucesso porque tocam em partes mais escondidas do desejo”, diz ela.

Mesmo no comando, quem mais escuta são eles

Apesar de todo esse potencial para abrir espaço ao desejo feminino — ainda mais por ter uma mulher como voz e condutora da narrativa —, Malu reconhece que o público majoritário é masculino: 59% são homens, enquanto 34,4% são mulheres (incluindo parte do público LGBTQIA+). Para ela, esse dado também reflete o que acontece fora do fone de ouvido. “Mesmo quando a mulher é protagonista, quem consome mais ainda são os homens. O desejo feminino segue sendo uma questão, o que as impede de explorar esse universo.”

Não à toa, Malu é um pseudônimo. Segundo ela, o nome fictício surgiu como forma de se proteger contra o assédio ou do estigma que ainda paira sobre mulheres que falam abertamente sobre a própria sexualidade. Ao mesmo tempo, virou também um recurso criativo. “A ideia é que cada pessoa imagine a Malu do jeito que quiser. Isso também faz parte do jogo.”

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