Cada vez mais preocupado com um tema em que fica muito a dever, a segurança pública — e que pode lhe custar caro na eleição do ano que vem —, o governo Lula acumulou derrotas na votação de uma iniciativa na qual apostava suas fichas. O Projeto de Lei 5.582/25, apresentado pelo Ministério da Justiça com o codinome de PL Antifacção logo depois da megaoperação contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, saiu da Câmara carimbado pela direita. A primeira derrota foi a nomeação do relator, Guilherme Derrite (PP-SP), secretário licenciado da Segurança Pública do governador Tarcísio de Freitas, que pode ser o principal rival do petista em 2026. Os emissários do Executivo tentaram até o final tirá-lo da função, mas o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), não cedeu. O segundo golpe veio na terça 18, quando o governismo tentou retirar o projeto da pauta, mas levou “não” de mais de 300 parlamentares. Veio, então, na mesma sessão, a derrota final, com o substitutivo de Derrite aprovado por 370 votos a favor e apenas 110 contrários e mantendo boa parte das alterações que o governo lutou para impedir.
O Planalto sentiu o golpe e passou recibo ao final da votação. O líder do PT, Lindbergh Farias, chamou as mudanças de Derrite de “Frankenstein”. O próprio Lula mostrou descontentamento: “Do jeito que está, enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica”. Hugo Motta não gostou da crítica e rebateu em seguida. “Não vamos enfrentar a violência das ruas com falsas narrativas”, afirmou. Deputados de direita festejaram no plenário, e Tarcísio foi às redes imediatamente após a votação. “Vitória do povo brasileiro no Congresso. Acabou a impunidade. Lugar de bandido é na cadeia”, postou. Derrite criticou o Executivo. “O governo em nenhum momento quis debater o texto tecnicamente e preferiu nos atacar”, disse.

Apesar da gritaria governista e do entusiasmo da oposição, o projeto aprovado manteve vários pontos da proposta original. O que houve na maioria dos tópicos é que Derrite ampliou o tamanho da punição ou o alcance de algumas medidas. Um exemplo era a ideia de endurecimento das penas para bandidos de facções criminosas, que já estava no projeto original. Derrite elevou o tempo de reclusão para várias situações, com punições que chegam a quarenta anos de prisão (era, no máximo, trinta). Ele aumentou ainda a restrição a concessões a presos, como a progressão de regime, o direito ao voto, o recebimento do auxílio-reclusão para parentes e a possibilidade de uso de fiança. Também tornou mais rigoroso o monitoramento em presídios das conversas de suspeitos de chefiar facções.
As reclamações do governo têm uma vertente técnica e outra, política. Na primeira frente, critica a retirada de pontos como a possibilidade de infiltrar policiais em organizações criminosas e a permissão de delação premiada de faccionados. Também questiona a forma como o texto foi construído porque acredita que há vários pontos em conflito com leis existentes, o que pode beneficiar investigados. Outro ponto central é a Polícia Federal. Apesar dos seguidos recuos de Derrite, permaneceu a restrição ao financiamento da corporação — no novo texto, os recursos oriundos de apreensões, em sua maior parte, irão para as polícias e os fundos de segurança estaduais. Politicamente, o governo reclama de iniciativas como mudar o nome do projeto para Marco Legal do Combate ao Crime Organizado e a criação de conceitos como “organização criminosa ultraviolenta” e “domínio social estruturado” (quando grupos impõem seu domínio à força sobre territórios), que o governo viu como tentativas de “apropriação do projeto”, como definiu Gleisi.

A batalha agora será no Senado, onde o ambiente provavelmente será outro. Enquanto a Câmara ainda votava, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), anunciou que o relator seria Alessandro Vieira (MDB-SE), um político independente de Lula e da direita. Alcolumbre revelou que negou o posto a Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Sergio Moro (União Brasil-PR). “Não teremos a contaminação da votação de uma matéria tão importante”, disse. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Otto Alencar (PSD-BA), aliado de Lula, já anunciou que chamará PF, outras polícias e o Ministério Público para a construção conjunta da nova legislação.
A ala governista tentará fazer o texto voltar ao mais próximo possível do original, mas eleitoralmente seria desgastante diminuir as penas fixadas por Derrite. Pesquisas mostram que o tema será fundamental na eleição e que a maioria da população está farta da complacência do Estado diante do crime. Foi esse o combustível da movimentação que derrotou o governo na Câmara. Resta saber como se dará o próximo confronto, no Senado.
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971