Derrotas deixam um gosto amargo, difícil de aceitar, lamentava um líder petista no final da noite desta quarta-feira (25/6). Acabara de assistir à ação coordenada dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, que deixou Lula sitiado, reduzido ao apoio de apenas dois em cada dez parlamentares no Congresso.
Anulou-se o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras numa jornada de raridades, como a votação organizada nas duas Casas e no mesmo dia. Há mais de três décadas não se via nada parecido no Congresso. Desta vez, subtraíram do governo 12 bilhões em receita esperada para fechar as contas deste ano.
A derrubada do decreto presidencial foi um desastre para Lula. Na Câmara foram 383 votos contra os interesses do governo, e 98 a favor. Dois terços dos votos antigoverno saíram de sete partidos que estão inscritos na base parlamentar governista (União, MDB, PSD, PSB, PV, PP e Republicanos). No Senado optou-se pela votação simbólica, sem contagem nominal, salvando aparências.
A derrota era previsível. Na semana passada, a Câmara registrou 346 votos a favor da “urgência” na votação para derrubada do decreto presidencial. O apoio ao governo ficou reduzido a 97 votos, um a menos que o total desta quarta-feira. Aquele placar já traduzia a ênfase da mensagem majoritária: 78% dos parlamentares se perfilaram no plenário contra o governo Lula — a maioria pertencia a partidos da base governista que têm ministérios.
Na época, a quantidade de votos na aprovação (346) da “urgência” da votação para anular o aumento de imposto já havia sido superado até o quórum necessário para a Câmara aceitar o pedido de impeachment de um presidente (mínimo de dois terços dos deputados, ou seja, 342 dos 513). O volume aumentou 10% nesta quarta-feira.
Não restam muitas alternativas a Lula. Uma delas é começar de novo, negociando em novas bases o fechamento das contas deste e do próximo ano eleitoral. A chance de isso acontecer, no entanto, é remota.
À noite, depois da derrota, havia mais gente no governo e no PT a favor de iniciar uma briga judicial com a Câmara e o Senado, com apelo à interferência do Supremo Tribunal Federal.
É uma hipótese em discussão no Palácio do Planalto. O problema é o alto custo político embutido para Lula, que tem mais 18 meses de mandato, e, para o STF, que é visto no Congresso como tribunal “alinhado” ao governo.
— Eu chamo a atenção dos partidos de centro — apelou o líder do bloco governista, José Guimarães, em aparente desnorteio. — Vamos rediscutir o gasto? Vamos, há medidas tramitando aqui nesta Casa. Nós vamos ou não cortar em 10%, linearmente, os incentivos fiscais, as isenções fiscais? Nós podemos ou não discutir… Não é uma vitória contra o governo Lula, derrubar esse decreto (de aumento do imposto) é a derrota do Brasil.
O líder do PT, Lindbergh Farias, protestou contra o presidente da Câmara insinuando uma “traição” ao governo. — Eu não entendi, porque em todos os momentos a gente fez campanha para o presidente Hugo Motta, e sempre o elogiamos porque ele dizia: ‘Eu não coloco nada no plenário sem passar pelo colégio de líderes’. Como líder partidário, tomei um susto quando soube que estava pautado o projeto. Eu não sei o que aconteceu. Estive presente na reunião com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), e lá discutimos propostas: o que vamos fazer? Foi daí que surgiu a Medida Provisória que tratava de desoneração de benefícios tributários, de tributação das bets, dos bancos, juros sobre capital próprio, das fintechs. Mas não entendi a sua mudança de posição. No outro dia, eu comecei a ver a movimentação de lobbies econômicos poderosíssimos.
Continuou: — Essa coalizão econômica e política é para impor retrocesso, desvincular o salário-mínimo da Previdência, saúde e educação. É um absurdo! O que eles querem? Que um aposentado ganhe menos de um salário-mínimo? Há abutres de plantão querendo atrapalhar o Lula, achando podem garrotear o Lula. Estão tirando 12 bilhões de reais (receita prevista com aumento do IOF). Isso é um fato, mas só demonstra o medo que eles têm do Lula. Ficam olhando a eleição, falando nomes e dizem: ‘Mas o Lula é um perigo’. Sabe por que o Lula é um perigo? Porque nós estamos com o menor desemprego da história, a menor desigualdade da história, a maior renda dos trabalhadores da história…
Luiz Lima, líder do Partido Novo, interveio com mordacidade: — O sonho de todo brasileiro é viver na propaganda do PT. Parece que estamos na Suíça, na Finlândia, na Dinamarca, na Noruega. De 2000 para cá, em 25 anos, o PT governou este país por 17 anos. E o que a gente vê aí é um Brasil com vulnerabilidade social, com problema seríssimo de moradia, de tráfico e milícia. E ainda querem penalizar quem produz. Olhe, vossas excelências vão tomar uma lavada. Vossas excelências já foram para o brejo…
Lula está numa encruzilhada. Vai precisar escolher entre o confronto político e judicial com a Câmara e o Senado ou o recomeço de uma negociação em bases diferentes, porque nem nos partidos governistas se vê disposição para facilitar sua candidatura à reeleição no ano que vem.