Sabem aquelas metas ou planos longínquos que fazemos durante a adolescência, como: “quando crescer, estarei ganhando tanto dinheiro”, “com 30 anos, já estarei casado e com dois filhos”, entre tantas outras? Pelo menos no meu caso, eu tinha plena convicção de que, para atingir tais objetivos, bastaria apenas seguir um roteiro infalível e que dependeria somente de boa vontade, trabalho duro e um pouco de sorte.
Obviamente, metas são importantes. Contudo, é preciso reconhecer que, em muitos momentos, o que parece ser uma boa estratégia ou um objetivo sólido não encontra respaldo na realidade, permanecendo, no fim, apenas como uma “boa ideia”.
Mas por que estou desabafando sobre metas no início de um artigo sobre obesidade infantil?
Simples: em 2012, a Assembleia Mundial da Saúde endossou um Plano de Implementação Abrangente para a Nutrição Materna, Infantil e de Crianças Pequenas, propondo uma série de ações prioritárias a serem implementadas pelos Estados-membros e parceiros até 2025.
Foram definidas seis metas globais. Uma delas, não permitir o aumento no excesso de peso infantil.
Estimativas de Unicef, OMS e Banco Mundial indicam que, entre 2000 e 2013, o número global de crianças com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) aumentou de 32 milhões para 42 milhões, com destaque para o crescimento na África — a prevalência saltou de 1% para 19% na África Meridional — e na Ásia, especialmente no Sudeste Asiático, em que passou de 3% para 7%.
Em 2013, a Ásia concentrava 18 milhões de crianças com excesso de peso, seguida pela África com 11 milhões e América Latina e Caribe com 4 milhões, com países populosos como o Brasil apresentando prevalências iguais ou superiores a 7%.
Caso a tendência detectada na época se mantivesse, a prevalência global em menores de cinco anos poderia atingir 11% até 2025 — estimativa conservadora, considerando que o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) de 2023 já indicou 14,8% de excesso de peso nessa faixa etária, dos quais 7% correspondem à obesidade.
O documento recomendava que os países desenvolvessem políticas robustas para promoção de dietas saudáveis, com supervisão eficaz e diretrizes oficiais; implementassem medidas focadas na primeira infância, incluindo a regulação da publicidade infantil de alimentos ultraprocessados; apoiassem pesquisas para elucidar as causas do excesso de peso e estratégias para garantir alimentação segura, saudável e diversificada; além de criar ambientes que favorecessem a prática regular de atividade física. Ressaltava-se também a necessidade de os governos enfrentarem fatores sociais e econômicos que contribuem para a obesidade.
De forma semelhante ao Capitão Retrospectiva, de South Park — cujo superpoder é apontar onde as pessoas ou instituições erraram, mas apenas depois que tudo já deu errado —, é evidente que a contenção da obesidade entre crianças e adolescentes falhou.
Segundo o artigo “Obesity and Overweight”, publicado neste ano pela própria OMS, estimava-se, com base em dados de 2024, que 35 milhões de crianças menores de cinco anos estavam acima do peso. Na faixa entre 5 e 19 anos, com base em dados de 2022, mais de 390 milhões apresentavam sobrepeso, cuja prevalência subiu de 8% em 1990 para 20% em 2022. A obesidade nessa faixa etária também cresceu expressivamente, de 2% (31 milhões) para 8% (160 milhões) no mesmo período.
O excesso de peso nessa população jovem acarreta diversas consequências negativas, incluindo o risco precoce de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares, além de impactos psicossociais.
No âmbito econômico, estima-se que os custos globais associados ao sobrepeso e à obesidade possam atingir US$ 3 trilhões anuais até 2030, ultrapassando US$ 18 trilhões até 2060.
Pesquisas
Em minha opinião, os artigos que melhor resumem a ciência sobre obesidade infantil foram publicados no Lancet (2022) e na Nature (2023), conduzidos pela pediatra australiana Louise Baur — chefe do Departamento de Pediatria e Saúde Infantil da Universidade de Sydney — e seus colegas, sob os títulos “Obesity in children and adolescents: epidemiology, causes, assessment, and management” e “Child and adolescent obesity”. Trata-se de duas revisões da literatura que abordam a epidemiologia e as causas da obesidade infantil e adolescente. Nelas, os pesquisadores explicam o desenvolvimento da obesidade pelo modelo “bio-socioecológico”, que integra predisposições biológicas, forças socioeconômicas e fatores ambientais.
Há grande heterogeneidade biológica na regulação do peso: algumas pessoas mantêm níveis saudáveis de gordura corporal com pouco esforço, enquanto outras enfrentam desafios intensos. Também é importante reconhecer que, nas últimas décadas, o aumento da prevalência da obesidade foi fortemente influenciado por transformações no ambiente.
Essas mudanças ocorrem em vários níveis: no contexto familiar (atividade física, hábitos alimentares, sono, uso de telas), na comunidade local (acesso a creches, áreas verdes, parques, pontos de venda de alimentos) e no ambiente sociopolítico (marketing, políticas agropecuárias, subsídios, indústria alimentícia). Esses fatores exploram vulnerabilidades econômicas, psicológicas, biológicas e sociais, incentivando comportamentos que favorecem o ganho de peso.
Diversos fatores dietéticos estão associados à obesidade infantil e adolescente, como o consumo excessivo de alimentos calóricos e pobres em micronutrientes, alta ingestão de bebidas açucaradas e o marketing agressivo desses produtos e de fast food. Outros fatores, com evidências menos sólidas, incluem velocidade ao comer, composição da dieta, petiscar frequente, tamanho das porções e pular o café da manhã. Alguns são fisiologicamente plausíveis (velocidade da alimentação, tamanho das porções), enquanto outros podem ser influenciados por variáveis de confusão.
O uso excessivo de dispositivos eletrônicos contribui para a obesidade ao aumentar a exposição ao marketing de ultraprocessados, incentivar o consumo inconsciente, reduzir a atividade física, reforçar o sedentarismo e prejudicar o sono.
A atividade física infantil tende a diminuir aos 6 anos e novamente na adolescência, especialmente entre meninas. Crianças obesas praticam menos atividade moderada a vigorosa do que aquelas com peso adequado.
Há evidências crescentes que relacionam curta duração, má qualidade e horários tardios de sono a maior risco de obesidade, comportamentos sedentários, alimentação inadequada, resistência à insulina e alterações hormonais (grelina, o “hormônio da fome”, e leptina, o “hormônio da saciedade”). Vale destacar que a maioria desses fatores não deve ser considerada isoladamente, mas sim como componentes interdependentes de uma engrenagem complexa que caracteriza a obesidade infantil.
E o Brasil?
O Journal of Tropical Pediatrics publicou estudo intitulado “Prevalence of childhood obesity in Brazil: a systematic review”. É uma revisão sistemática que investigou a prevalência da obesidade infantil no Brasil, comparando-a entre meninos e meninas.
Ao todo, foram identificados 5.475 artigos, dos quais 112 foram incluídos após o processo de seleção, totalizando uma amostra de 297.910 crianças. A prevalência geral de obesidade infantil foi de 12,2%, sendo 10,8% entre meninas e 12,3% entre meninos.
Em relação à prevalência por estado, observou-se variação entre 2,6% (Pará) e 15,8% (Rondônia). Contudo, não foram encontrados estudos que avaliassem a prevalência em seis estados: Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Roraima e Tocantins.
Com base nesses dados, os autores concluem que a prevalência de obesidade infantil no Brasil é alta, estimada em 12,2%, sendo 10,8% entre meninas e 12,3% entre meninos. Observa-se ainda grande heterogeneidade entre os estados, com prevalências que variam de 2,6% a 15,8%. Projeções indicam que, até 2030, o Brasil terá cerca de 7,7 milhões de crianças e adolescentes obesos, ocupando a quinta posição no ranking mundial.
É possível enfrentar?
Sendo muito sincero, esse foi um dos tópicos que mais me surpreendeu durante a pesquisa. Inicialmente, minha concepção era clara: além de algumas políticas públicas que discutiremos ao final desta seção, acreditava que medidas aplicadas em casa ou nas escolas seriam, ao menos, moderadamente eficazes para prevenir a obesidade infantil, e que a principal limitação era a falta de esforço dos agentes políticos e das próprias instituições. Mas as evidências não são tão claras e indicam, no máximo, um efeito pequeno ou até nulo dessas intervenções.
Publicado na Cochrane Library em maio de 2024, temos o estudo “Interventions to prevent obesity in children aged 5 to 11 years old”, uma revisão sistemática e metanálise que avaliou os efeitos de intervenções para prevenção da obesidade infantil por meio da modificação da ingestão alimentar, dos níveis de atividade física ou da combinação de ambos.
Foram incluídos estudos com duração mínima de 12 semanas, envolvendo crianças de 5 a 11 anos, que mediram o índice de massa corporal (IMC) no início e ao final da intervenção. As estratégias abordaram alimentação, atividade física, comportamento sedentário, sono, brincadeiras ou exercícios estruturados.
Entre as intervenções dietéticas, destacaram-se ações como substituição de bebidas açucaradas, modificação das lancheiras, hortas escolares, jogos educativos, telessaúde com nutricionistas e participação familiar em programas agrícolas. As intervenções voltadas à atividade física incluíram sessões extracurriculares, rotas ativas nas escolas, carteiras em pé e exercícios curriculares. A análise abrangeu 172 estudos.
As metanálises mostraram que intervenções dietéticas isoladas, com base em 24 estudos envolvendo 20.410 participantes, apresentaram pouco ou nenhum efeito sobre o IMC em todos os prazos avaliados, com evidência de baixa a moderada certeza. Entre os cinco estudos que relataram eventos adversos graves, apenas um indicou possível associação com a intervenção, que envolvia o consumo de bebidas adoçadas, com relatos de dor de cabeça, alergias e desconforto.
Da mesma forma, intervenções centradas exclusivamente em atividade física, avaliadas em 43 estudos com 42.615 participantes, demonstraram pouco ou nenhum impacto sobre o IMC em curto e longo prazos, com uma leve redução observada no médio prazo, sustentada por evidência de certeza moderada. Dois dos 11 estudos relataram eventos adversos, como tontura, entorses e lesões musculoesqueléticas.
Já as intervenções combinadas — que associavam mudanças dietéticas e atividade física — foram analisadas em 88 estudos com 104.663 participantes e mostraram uma pequena redução do IMC no curto e médio prazos, embora sem efeito sustentado no longo prazo. Quando os estudos com alto risco de viés foram excluídos da análise, o efeito deixou de ser significativo.
Apenas as intervenções direcionadas simultaneamente a pais e filhos demonstraram efeito positivo.
Infelizmente, como os dados mostram, as evidências disponíveis — ainda que limitadas e de qualidade metodológica questionável — indicam que intervenções isoladas, focadas exclusivamente em alimentação ou atividade física, produzem pouco ou nenhum impacto sobre o IMC no curto, médio ou longo prazos. Somente intervenções combinadas envolvendo componentes dietéticos e físicos mostraram efeitos modestos de redução do IMC, mas que não se sustentam no longo prazo.
Encafifado com esses achados, decidi investigar mais a fundo se as intervenções seriam, de fato, tão pouco eficazes quanto sugerido pela revisão anterior. Foi nesse momento que me deparei com uma outra revisão — mais recente — publicada na Cochrane Library em dezembro de 2024, intitulada “Strategies for enhancing the implementation of school-based policies or practices targeting diet, physical activity, obesity, tobacco or alcohol use”. Diferentemente da revisão anterior, centrada nos efeitos das intervenções sobre os desfechos de saúde, esta teve como foco as estratégias que otimizam a aplicação das medidas.
Foram incluídos ensaios clínicos randomizados realizados em escolas, com grupos comparadores que não receberam intervenção ou que foram submetidos a estratégias alternativas de implementação. Ao todo, foram analisados 39 estudos (6.489 participantes), sendo a maioria conduzida em escolas de ensino fundamental, muitas delas localizadas em regiões de baixa renda.
As estratégias mais frequentemente adotadas incluíram reuniões educacionais (38 estudos), distribuição de materiais (35), visitas de extensão (35) e intervenções personalizadas (21). Dezessete ensaios focaram exclusivamente em atividade física, 12 em alimentação saudável e sete adotaram uma abordagem combinada. Os períodos de acompanhamento variaram entre seis meses e cinco anos.
Apesar de diversas limitações, a revisão fornece um indicativo promissor: a adoção de estratégias específicas de implementação provavelmente promove um aumento significativo na efetividade da aplicação de intervenções escolares voltadas à promoção de alimentação saudável, prática de atividade física e prevenção do uso de tabaco e/ou álcool.
Ou seja, embora intervenções isoladas sobre dieta ou atividade física tenham demonstrado efeitos nulos ou muito pequenos na prevenção da obesidade, o planejamento estratégico e estruturado pode ser o diferencial necessário para que gerem impacto mensurável. Em outras palavras, é possível que o fracasso de intervenções escolares não esteja tanto no conteúdo ou na proposta, mas na forma como são aplicadas — sem suporte, sem continuidade e sem adesão dos diversos agentes envolvidos.
Nesse contexto, destaca-se o relatório elaborado pela Comissão para o Fim da Obesidade Infantil, vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), intitulado “Report of the Commission on Ending Childhood Obesity”.
A comissão propôs um conjunto abrangente de recomendações organizadas em seis áreas de ação principais: promoção da alimentação saudável e redução do consumo de alimentos não saudáveis e bebidas adoçadas; incentivo à atividade física e redução do sedentarismo entre crianças e adolescentes; prevenção de doenças crônicas não transmissíveis no cuidado pré-concepcional e pré-natal; apoio à alimentação saudável, sono e atividade física na primeira infância; promoção de ambientes escolares saudáveis e letramento em saúde e nutrição; serviços familiares e intervenções combinadas para controle de peso em crianças e adolescentes com obesidade.
Cada país enfrentará seus próprios desafios, prioridades e necessidades de adaptação dessas estratégias ao seu contexto específico. Além dos impactos conhecidos da obesidade sobre a força de trabalho, a economia e os sistemas de saúde, o aspecto mais alarmante — ao menos para mim — é o crescente número de pessoas expostas a um risco elevado de múltiplas doenças, que vão desde condições cardiometabólicas até diversos tipos de câncer, com a consequente redução significativa da qualidade de vida.
Mauro Proença é nutricionista