Recebemos, há pouco, a notícia de que o Brasil conseguiu sair novamente do Mapa da Fome, com a redução do percentual de pessoas em risco de subnutrição para menos de 2,5%. Ao lado dessa notícia positiva, que, no entanto, revela que ainda existe fome no país, enfrentamos um crescimento acelerado da obesidade, problema que já afeta diretamente cerca de 25% da população, enquanto outros 61%, com sobrepeso, estão no mesmo caminho. As duas notícias guardam entre si uma relação importante: a obesidade se tornou a forma mais comum de desnutrição. Longe de ser apenas um problema de comportamento individual, a doença é fruto de múltiplos fatores – e suas consequências constituem hoje um dos maiores desafios da saúde pública do Brasil, com grandes impactos sobre o SUS (Sistema Único de Saúde).
Segundo dados de 2023 do Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde para monitorar os principais fatores de risco e proteção relacionados às doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade, o diabetes, a hipertensão e as cardiovasculares, 70% da população tem segurança alimentar, 5% vivem sob insegurança alimentar grave e 25% fazem trocas alimentares por necessidade. É principalmente neste último grupo que a obesidade se manifesta como problema social.
Os alimentos mais acessíveis são os ultraprocessados: mortadela, salsicha, biscoito recheado, macarrão instantâneo, refrigerantes. Além de mais baratos, são fáceis de consumir porque quase não exigem preparo, o que acaba sendo opção para quem tem longas jornadas de trabalho e passa horas no transporte público, sem tempo para cozinhar e fazer refeições saudáveis em família. Em bairros periféricos, nem sempre há disponibilidade de frutas e verduras nos mercados locais.
Com alto teor de açúcar, gordura e sódio, os alimentos industrializados podem até resolver o problema da fome, mas estão entre os principais causadores da obesidade e da má nutrição, que desencadeiam outras doenças e sobrecarregam a rede pública de saúde. Essa realidade é visível em todo o país, atingindo também indígenas, quilombolas e moradores de regiões afastadas dos grandes centros urbanos.
O cenário fica ainda mais preocupante quando olhamos os dados da obesidade infantil no país. Tristemente, somos líderes no ranking mundial, com mais de 14% de nossas crianças menores de 5 anos, atendidas pelo SUS, apresentando sobrepeso ou obesidade. Embora a genética e fatores emocionais contribuam para o quadro, a situação é um claro reflexo da alimentação inadequada, do sedentarismo e de uma prática muito comum, que é comer diante da televisão. Crianças expostas à TV durante as refeições têm reduzida a percepção de saciedade, ingerindo maiores quantidades de alimento, além de ficarem mais suscetíveis à propaganda dos ultraprocessados, sabidamente de baixo valor nutricional.
Além de provocar impactos psicológicos, como ansiedade, depressão e baixa autoestima, a obesidade infantil aumenta o risco de doenças crônicas na vida adulta. Diversas enfermidades, como as doenças cardiovasculares, o diabetes tipo 2, a hipertensão, a apneia do sono e alguns tipos de câncer, estão associadas à obesidade. Essas doenças aumentam a demanda por serviços médicos, internações e tratamentos de longo prazo, gerando custos elevados para o SUS.
Um estudo publicado no ano passado por especialistas em saúde pública da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estimou que, entre 2021 e 2030, os custos diretos do SUS com o tratamento de doenças causadas pelo excesso de peso atinjam cerca de US$ 1,8 bilhão. Além disso, os custos indiretos, resultado da perda de produtividade e de anos de vida ativa, podem chegar a US$ 20,1 bilhões no mesmo período. Ao mesmo tempo, o estudo aponta que investimentos em prevenção que estabilizassem o cenário até 2030, evitando a elevação dos índices, poderiam gerar uma economia significativa, de cerca de US$ 40,8 milhões.
Esses números reforçam que combater a obesidade não é apenas uma questão de saúde pública; mais que isso, é uma estratégia econômica essencial para aliviar a sobrecarga do SUS e para melhorar a qualidade de vida da população. É possível implementar políticas e programas públicos voltados à prevenção do sobrepeso e das doenças crônicas não transmissíveis seja por meio de campanhas educativas nas escolas e comunidades, seja pela regulação da publicidade de alimentos não saudáveis, especialmente voltada ao público infantil, e pela taxação e rotulagem de ultraprocessados.
A obesidade no Brasil é um problema complexo, com raízes profundas na estrutura social, econômica e cultural do país. Seus impactos para a saúde pública são vastos, afetando tanto os indivíduos como o sistema de saúde e a sociedade como um todo. O SUS, embora essencial, precisa de apoio contínuo para lidar com essa demanda crescente.
Um recente acordo do Brasil com Portugal estabeleceu cooperação entre os dois países para promover alimentação saudável e prevenir a obesidade. Entre as iniciativas compartilhadas estão a avaliação de políticas e a promoção de sistemas alimentares sustentáveis, além de estratégias voltadas ao ambiente escolar e à população vulnerável. Também serão realizados eventos científicos, conferências, intercâmbios e projetos de pesquisa conjunta.
Esse acordo representa um avanço importante no enfrentamento da obesidade no Brasil. Ao integrar ciência, educação e gestão de sistemas alimentares sustentáveis, a parceria contribui para a construção de um ambiente mais favorável à saúde da população brasileira. Mais que debelar a fome, um desafio que já deveria estar totalmente superado, temos de unir esforços em favor da nutrição saudável como parte de um estilo de vida voltado para a prevenção de doenças.