O câncer de próstata é, depois dos tumores de pele não melanoma, o mais comum entre os homens brasileiros. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), são esperados 71.730 novos casos apenas neste ano. Em 2023, foram 17.093 mortes provocadas pela doença, o que equivale a 47 homens por dia. Apesar de ser um tipo de câncer com alta chance de cura quando detectado precocemente, ele continua sendo um desafio para médicos e pesquisadores: como distinguir um tumor realmente perigoso de outro que jamais causaria sintomas?
O dilema do PSA
Desde os anos 1980, o exame de sangue conhecido como PSA (antígeno prostático específico) revolucionou o diagnóstico precoce. O primeiro aspecto relevante é que ele pode ser produzido por células normais, benignas. O segundo é que ele não diferencia tumores agressivos de tumores inofensivos. Resultado: muitos homens acabaram recebendo tratamentos desnecessários, com efeitos colaterais importantes, como disfunção erétil e incontinência urinária, sem que houvesse real necessidade médica.
Essa limitação abriu espaço para uma nova geração de testes que olham mais fundo, literalmente, dentro do DNA das células. É aí que entra o EpihTERT, um teste epigenético inovador que promete mudar a forma como o câncer de próstata é diagnosticado e tratado.
A biologia por trás do novo teste
Dentro de cada célula, o DNA está organizado em cromossomos. Em suas extremidades ficam os telômeros, estruturas que funcionam como capas protetoras. A cada divisão celular, esses telômeros ficam mais curtos — até o ponto em que a célula deixa de se reproduzir. É um mecanismo natural de controle do envelhecimento e de prevenção ao câncer.
As células cancerígenas, porém, driblam esse mecanismo natural. Elas ativam uma enzima chamada telomerase, que reconstrói os telômeros e permite que continuem se multiplicando sem limite. O gene responsável por essa enzima é o hTERT, que normalmente está “desligado” em células saudáveis, mas reativado nas células cancerosas e, na maioria dos casos, essa reativação ocorre por meio de alterações epigenéticas, pequenas modificações químicas no DNA que funcionam como “interruptores” capazes de ligar ou desligar genes.
O teste EpihTERT analisa exatamente essas alterações epigenéticas no gene hTERT. Apenas células cancerígenas apresentam um padrão específico de modificação, ausente em tecidos saudáveis. Ao detectar esse padrão, o teste não apenas confirma a presença do câncer, como também indica o grau de agressividade do tumor.
Outro ponto promissor é que o EpihTERT pode ser realizado tanto em amostras de tecido (biópsia) quanto em amostras de sangue, conhecidas como biópsia líquida. Isso significa menos procedimentos invasivos e mais conforto para o paciente.
Além disso, testes epigenéticos permitem determinar a idade biológica do tecido, e quando essa idade está elevada, e associada a altos níveis do marcador, o resultado se torna um forte indicativo da presença de um tumor agressivo.
Personalização e precisão
Com essa nova ferramenta, médicos podem avaliar com mais segurança se um tumor precisa de tratamento imediato ou apenas de acompanhamento clínico. Na prática, isso significa menos cirurgias desnecessárias, menos efeitos colaterais e decisões mais personalizadas para cada paciente.
Enquanto o PSA mostra apenas um sinal indireto de que “algo pode estar errado”, o EpihTERT olha diretamente para o DNA das células cancerígenas, o que permite distinguir, com precisão, quais tumores exigem intervenção e quais podem ser apenas monitorados.
Uma nova era na oncologia de precisão
A aposta dos cientistas é que a combinação entre idade biológica e padrões epigenéticos específicos será uma das chaves para o futuro do diagnóstico oncológico. É aí que desponta a união da ciência de ponta com a medicina mais humana e individualizada, em que cada decisão terapêutica respeita o ritmo e a biologia de cada paciente.
O câncer de próstata continuará sendo um desafio, mas a chegada de testes como o EpihTERT representa uma mudança de paradigma: sair da medicina “baseada na média” e entrar na era da medicina personalizada, em que a genética e a epigenética revelam não apenas o que o paciente tem, mas também como e quando tratar.
*Marcelo Bendhack é uro-oncologista, presidente da Associação Latino-Americana de Uro-Oncologia e professor da Universidade Positivo, em Curitiba