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O risco de ir muito além do tarifaço

Voltei recentemente de férias, no início de julho fui à Itália para mostrar ao meu filho a grandiosidade de Roma e as belezas culturais e naturais do norte do país. Entre um passeio e outro, tomei conhecimento do tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os produtos brasileiros. As repercussões ainda estão em marcha e, ao que parece, continuaremos a assistir desdobramentos por um bom tempo.

Os ares italianos me remeteram às Guerras Púnicas, travadas entre Roma e Cartago. Foram três, de 264 a 146 A.C. As duas primeiras tiveram motivações essencialmente econômicas, porque ambas as repúblicas queriam dominar as rotas comerciais do mar Mediterrâneo. Mas a terceira teve uma grande carga emocional. Roma tinha receio de Cartago ressurgir e o senador romano Catão, chamado “O Velho”, que lutou na segunda guerra púnica, repetia diariamente na tribuna e nos corredores do senado: “Cartago tem que morrer”. Sinaliza uma convicção de que inimigos não devem ser apenas vencidos, mas totalmente aniquilados, mesmo que não haja uma razão clara para isso.

A carta enviada por Donald Trump ao governo brasileiro informa que o motivo do tarifaço é de natureza emocional, sem nenhum viés econômico. Livrar o ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, das acusações que caem sobre ele é o único objetivo do líder americano. Não seria errado dizer, portanto, que as razões dos embates atuais são de ordem pessoal. A assertiva pode ser comprovada pelas sanções desencadeadas a integrantes do STF, pelas notícias de que Donald Trump fará do Brasil um laboratório e um exemplo de medidas que pode tomar contra quem o desafie e pelo fato de que a balança comercial entre Estados Unidos e Brasil é favorável aos EUA.

Nesse cenário, eventuais retaliações por parte do governo brasileiro podem não ter efeitos concretos, porque não é aí que estão os interesses dos EUA. De mais a mais, caso a decisão do Brasil seja pela majoração do imposto de importação sobre produtos americanos, é provável que a economia dos EUA sofra pouco, mas pode fazer com que Donald Trump dobre a aposta. E isso leva à indagação sobre a capacidade de a economia brasileira suportar a escalada dessa guerra comercial, que tem pouco a oferecer contra um adversário que conta com mais recursos econômicos e poderes políticos muito mais significativos.

Mas há a possibilidade de os motivos dos EUA não serem de ordem exclusivamente pessoal. As notícias recentes a respeito do interesse de Donald Trump sobre a reserva brasileira de terras-raras podem indicar que tudo o que está acontecendo é, na verdade, o processo de “colocar o bode na sala”, para tornar o ambiente econômico no Brasil insuportável e forçar o nosso governo a negociar o fornecimento desses minerais em condições mais favoráveis. Os EUA já demonstraram interesse pelas terras-raras da Ucrânia, mas o conflito militar em andamento representa um gigantesco empecilho para o sucesso desse objetivo, o que torna o Brasil um alvo.

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O segundo cenário abre uma chance de negociação. Se realmente houver essa abertura, teremos um caminho melhor do que seguir com ações de retaliação, que passam invariavelmente por questões tributárias.

A imposição de imposto de importação majorado como medida de retaliação é uma das ferramentas internacionalmente aceitas, sob certas condições, para manter o livre mercado entre os países. Mas representa ônus demasiado ao país, porque não sendo um tributo não cumulativo, o seu valor é somado ao custo da mercadoria importada. Isso provoca um impacto devastador sobre os preços não só dos produtos importados, mas também das mercadorias nacionais que contêm componentes importados. Ao fim, o consumidor acaba sendo o real financiador da guerra comercial, porque é ele quem suportará o encargo econômico ao pagar um preço maior pelos produtos.

Uma alternativa  (redundância, pois alter = outro) aventada pelo governo foi a quebra de patentes de empresas americanas. A ideia é fazer com que algumas corporações se sintam prejudicadas e pressionem o Capitólio a forçar o recuo de Donald Trump. No entanto, isso pode ser um baita tiro no pé. Primeiro porque não é certo que a medida torne as empresas aliadas do governo brasileiro. Segundo, os investidores em geral, nacionais e estrangeiros, podem se sentir inseguros de realizar investimentos por aqui. Por fim, a quebra de patentes pode causar a redução da arrecadação da CIDE-Royalties, que tem as remunerações a empresas estrangeiras pelo uso de patentes no Brasil um de seus fatos geradores. Se as contas públicas já não vão bem, arquitetar um plano que tem como consequência direta a queda de arrecadação pode não ser um bom caminho.

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Não está claro qual é a melhor saída ao Brasil no embate contra Trump, mas não há dúvida de que as possíveis alternativas tributárias são venenos travestidos de remédios. Exportadores já sentem o impacto do tarifaço, o desvio de seus produtos a outros mercados internacionais não acontece de um dia para o outro e vender a produção no mercado interno pode representar perdas, seja pela redução dos preços causada pelo excesso de oferta, seja pelo ganho cambial que deixará de existir. Os percalços podem ser ainda maiores. Se a redução da entrada de divisas no país pressionar o câmbio, ou se a microeconomia que gira em torno dos exportadores, formada por seus fornecedores de bens e serviços, for contaminada pelos resultados ruins, podemos ter um cenário de terra arrasada.

Depois de vencer a segunda guerra púnica, e com a insistência do senador Catão, Roma iniciou o terceiro conflito e destruiu Cartago. Alguns livros de história contam que não sobrou pedra sobre pedra e os soldados romanos foram instruídos até mesmo a jogar sal nas terras cultiváveis, para que nada mais florescesse ali. Mais ainda, foi deflagrada uma verdadeira caçada a Aníbal Barca, o general cartaginense que quase teve sucesso em invadir Roma. Barca já estava foragido, não oferecia nenhum perigo real e havia se desligado completamente da vida pública e militar de Cartago. Mas as razões de Roma não eram objetivas e, por isso, não podiam ser negociadas. Aníbal Barca morreu, Cartago morreu.

A história das guerras púnicas está prestes a se repetir: nós como Cartago e a nova Roma dizendo “o Brasil deve morrer”.

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