Se, por acaso, ao ler o título deste artigo você imaginou que se trata da resenha de um documentário cult que intersecciona geografia e nutrição, parabéns: você acertou — em parte.
Para adiantar o contexto: desertos alimentares são áreas com baixo acesso a alimentos saudáveis, seja por barreiras geográficas ou econômicas. Já o termo apartheid alimentar parte da mesma lógica, mas leva em conta aspectos sociais e estruturas raciais que afetam grupos marginalizados. Já os pântanos alimentares fazem referência ao excesso de estabelecimentos que vendem alimentos não saudáveis — e que, de certa forma, não oferecem alternativas saudáveis.
Naturalmente, esses problemas afetam principalmente países que já enfrentam alto risco de insegurança alimentar grave e/ou subalimentação. No entanto — e talvez esse seja o grande “pulo do gato” — países de renda média e alta também sofrem com isso, devido a iniquidades históricas que dificultam o acesso a alimentação saudável.
Para ilustrar esses desequilíbrios em um país de alta renda, vejamos o caso dos EUA, a partir de um estudo publicado em 2010: “Disparities and Access to Healthy Food in the United States: A Review of Food Deserts Literature”.
Os dados revelaram que bairros de baixa renda tinham, em média, 30% menos mercados do que os de alta renda. Fatores como falta de transporte, baixa caminhabilidade e longas jornadas de trabalho dificultam o acesso a supermercados. Moradores dessas áreas enfrentam maior prevalência de doenças relacionadas à má alimentação, como diabetes, doenças cardíacas e câncer.
Desigualdades raciais também aparecem: bairros predominantemente negros têm menos supermercados do que bairros brancos com renda semelhante, com a presença de supermercados chegando a apenas 52% em comparação.
Desertos
Os artigos que melhor explicam a formação do conceito de deserto alimentar — e sua aceitação — são “Food Deserts: Evidence and Assumption in Health Policy Making” e “A Multidimensional Approach to Understanding Food Deserts in Vulnerable Contexts”. Embora “trajetória” possa parecer um termo estranho nesse contexto, ele se refere ao longo debate sobre a real existência do problema. Enquanto os autores do primeiro estudo — publicado em 2002 — questionavam essa existência (um tema que, até hoje, permanece em discussão), duas décadas depois, como descrito no segundo artigo, o termo “desertos alimentares” continua sendo utilizado como conceito acadêmico válido e de “fácil compreensão”.
A expressão “deserto alimentar” surgiu, ao que tudo indica, no início dos anos 1990, usada por um morador de um conjunto habitacional na Escócia. Sua primeira aparição oficial foi em 1995, em um relatório do Low Income Project Team, ligado à antiga Força-Tarefa de Nutrição do governo britânico.
Vários relatórios oficiais alertaram que desertos alimentares afetavam negativamente a saúde pública, elevando o risco de obesidade, doenças cardiometabólicas e transtornos mentais. Esses documentos propuseram políticas para melhorar a oferta de alimentos saudáveis em áreas carentes.
Pântanos
Em 2009, o conceito de “pântano alimentar” foi proposto pelo pesquisador Donald Rose, da Universidade Tulane, no artigo “Deserts in New Orleans? illustrations of urban food access and implications for policy”. O estudo teve três objetivos: expandir a definição de desertos alimentares considerando outros tipos de comércio além de supermercados; demonstrar que as conclusões dependem da definição adotada; e mostrar como essas informações podem orientar políticas públicas. Foram analisados dados de lojas e produtos em oito bairros de Nova Orleans, além das limitações conceituais do termo “deserto”.
O trabalho argumenta que o termo “deserto” é problemático: suas definições variam, são vagas (por exemplo, o que significa “acesso limitado”?) e dependem da interpretação dos pesquisadores, o que pode gerar inconsistências. Além disso, a metáfora do deserto enfatiza a ausência de alimentos, mas ignora um cenário crescente: a abundância de alimentos ultraprocessados em áreas pobres, associada ao aumento da obesidade.
Se o ambiente influencia os hábitos alimentares, o excesso de produtos calóricos em bairros de baixa renda representa um risco maior que sua escassez. O estudo mostrou que, em farmácias, lojas de conveniência e mercados locais, o espaço destinado a frutas e verduras era quase nulo, enquanto lanches ultraprocessados dominavam as prateleiras.
Os autores reconhecem que o conceito de “pântano alimentar” também apresenta desafios metodológicos, mas consideram-no mais adequado por capturar aspectos ignorados pelo termo anterior — como fatores raciais, religiosos, geográficos e econômicos.
Apartheid
Um termo ainda mais recente e menos conhecido, mas que tem ganhado destaque, é o de “apartheid alimentar”, cunhado em 2018 pela ativista Karen Washington.
Em entrevista à revista Guernica, ela argumenta que comunidades de baixa renda não sofrem com ausência completa de alimentos — como sugeriria o termo “deserto” —, mas sim com uma oferta concentrada de produtos baratos, subsidiados e ultraprocessados.
Além disso, o uso de “deserto” transmite uma ideia de vazio e imobilidade, quando essas comunidades são, na verdade, vibrantes e cheias de potencial. Washington propõe “apartheid alimentar” para explicitar que a distribuição desigual dos alimentos não é fruto do acaso ou de fenômenos naturais, mas sim resultado histórico de decisões políticas.
Como se vê, tanto o “apartheid” quanto o “pântano” destacam falhas importantes na metáfora do “deserto”. A dificuldade de acesso a alimentos saudáveis decorre tanto da ausência de estabelecimentos que os comercializem em quantidade suficiente e a preços acessíveis quanto de outros entraves estruturais.
Contudo, por mais que eu não aprecie a ideia dos chamados “dois ladismos” — ou seja, a tendência de sempre abordar um tema apresentando duas visões de mundo e atribuindo a ambas o mesmo peso —, acredito que, neste caso, seja necessário considerarmos uma hipótese levantada pelos pesquisadores do estudo “Food Deserts – Evidence and Assumption in Health Policy Making”.
Segundo essa hipótese, os desertos alimentares talvez não passem de uma miragem.
Retomando o artigo, os autores apontam falhas sérias nos três estudos britânicos mais citados à época sobre o assunto. Por exemplo, “Cost and Availability of Healthy Food Choices in a London Health District“ concluiu que cestas saudáveis custavam mais em áreas desfavorecidas. No entanto, ao analisar os preços nos nove supermercados envolvidos, constatou-se que, embora a cesta saudável fosse mais cara, isso ocorria tanto nas áreas ricas quanto nas pobres. Além disso, em média, ambas as cestas eram mais baratas nas regiões desfavorecidas.
Com base nessas inconsistências, os autores defendem que os desertos alimentares são mais uma hipótese do que uma realidade.
Sete anos após a publicação do artigo anterior, Steven Cummins — um dos autores do estudo — participou de uma nova pesquisa intitulada “A Systematic Review of Food Deserts, 1966–2007”.
Nesta nova investigação, pesquisadores revisaram a literatura para verificar se o acesso a alimentos saudáveis, em lojas de varejo, varia conforme o nível socioeconômico da área. Foram incluídos 49 estudos quantitativos realizados em países de alta renda.
Conclui-se que, especialmente nos EUA, moradores de áreas pobres e com minorias raciais enfrentam dificuldades maiores para acessar alimentos saudáveis. Embora os estudos sobre preços sejam frágeis, a desigualdade geográfica no acesso é clara. Nessas comunidades, a falta de supermercados e a concentração de pequenas lojas contribuem para dietas inadequadas, preços elevados e oferta limitada.
Quase uma década e meia após a publicação deste estudo, que já solicitava metodologias mais rigorosas, foi conduzida uma pesquisa que buscou mensurar, de fato, os efeitos da entrada de supermercados em áreas de baixa renda.
Trata-se de “Association Between a Policy to Subsidize Supermarkets in Underserved Areas and Childhood Obesity Risk”, cujo objetivo foi analisar a associação entre a presença de oito supermercados subsidiados pelo programa Food Retail Expansion to Support Health (também conhecido como FRESH) e alguns indicadores de obesidade.
O programa FRESH, de Nova York, oferece incentivos fiscais a supermercados com o intuito de ampliar o acesso à alimentação saudável.
Entre dezembro de 2011 e junho de 2014, um estudo avaliou o impacto de oito supermercados subsidiados sobre o IMC de estudantes da educação infantil ao ensino médio, matriculados em escolas públicas entre 2009 e 2016. Cerca de 83% viviam em áreas com acesso limitado a alimentos e alta pobreza.
O grupo de tratamento incluía alunos que moravam a até 800 metros de um supermercado FRESH, com dados de IMC coletados antes e depois da inauguração. Esse grupo concentrava mais estudantes não brancos e de baixa renda. O grupo controle reunia alunos de áreas elegíveis, mas localizados a mais de 800 metros dos mercados.
Constatou-se uma associação entre os mercados subsidiados e reduções modestas do IMC e da obesidade, mais evidentes na ausência de outras mudanças no ambiente alimentar. O efeito, embora pequeno (reduções de 4% a 10% no IMC e cerca de 1 ponto porcentual na obesidade), foi mais perceptível em contextos estáveis. Os resultados não foram clinicamente significativos.
Entre as limitações, destacam-se a ausência de dados sobre dieta, hábitos de compra, qualidade dos alimentos disponíveis. Os achados não são generalizáveis, e o desenho do estudo não permite inferir relação de causa e efeito.
Área e alimentação
Variando um pouco das referências estrangeiras, abrimos esta seção com um artigo conduzido no Brasil, intitulado “Influence of Unhealthy Food Environment on Premature Cardiovascular Disease Mortality in Brazil: An Ecologic Approach”, que teve como objetivo explorar a associação entre ambientes alimentares (desertos e pântanos alimentares) e a mortalidade prematura por doenças cardiovasculares na população brasileira.
A pesquisa analisou a relação entre o ambiente alimentar e a mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV) em adultos de 30 a 69 anos, com base em óbitos registrados em 2016.
Os dados sobre o ambiente alimentar vieram de um estudo de 2018 da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), que mapeou desertos alimentares no país
Em 2016, a taxa média de mortalidade prematura por DCV foi de 92,88 por 100 mil habitantes, maior entre homens (117,68) do que entre mulheres (68,16). Municípios maiores apresentaram maior densidade de comércios com ultraprocessados e menor com alimentos in natura ou mistos.
Após ajustes, constatou-se que municípios com baixa oferta de alimentos in natura apresentaram risco 8% maior de mortalidade por doença isquêmica do coração (DIC) entre mulheres. Já a alta disponibilidade de ultraprocessados se associou ao aumento no risco de morte por DCV (17%), AVC (19%) e DIC (19%).
Os resultados apontam uma associação entre oferta maior de ultraprocessados e mortalidade por doença cardiovascular mas, além de o desenho não permitir inferências em relação a causa e efeito, destaca-se o risco de falácia ecológica — os dados se referem ao nível municipal, e talvez não se sejam aplicáveis na escala individual. Além disso, os dados secundários podem conter erros, e a base da Caisan não considera distâncias nem barreiras reais de acesso aos pontos de venda.
Em outro estudo, intitulado “Association of Food Deserts and Food Swamps With Obesity-Related Cancer Mortality in the US”, os autores investigaram a relação entre desertos e pântanos alimentares e a mortalidade por cânceres relacionados à obesidade em todos os condados dos Estados Unidos na última década.
Os desertos alimentares foram identificados como regiões de baixa renda e baixo acesso a supermercados. Já os pântanos alimentares foram identificados a partir da razão entre restaurantes de fast-food e lojas de conveniência em relação a supermercados e feiras de produtores.
Houve correlação positiva entre ambiente alimentar inadequado e mortalidade por câncer associada à obesidade, especialmente para desertos alimentares.
Os autores concluem que condados com piores ambientes alimentares apresentaram maior risco de mortalidade por câncer relacionado à obesidade. Pântanos alimentares, em especial, indicam uma tendência preocupante.
Dentre as limitações encontradas, a mais evidente é que não é possível inferir causalidade. Além disso, as medidas do ambiente alimentar foram baseadas em relatórios sobre as opções alimentares saudáveis e não saudáveis disponíveis, o que pode ter ocasionado classificações incorretas, comprometendo a validade dos dados.
Em 2023, no periódico Children, foi publicado o estudo “The Effects of Food Environment on Obesity in Children: A Systematic Review”. Nele, os pesquisadores realizaram uma revisão sistemática com o objetivo de investigar se residir em um deserto alimentar, ou em um ambiente com características semelhantes, está associado ao aumento do IMC em crianças em idade escolar.
A análise final incluiu 17 estudos. O IMC das crianças variou de forma inconsistente entre diferentes ambientes alimentares, incluindo desertos, pântanos e áreas com supermercados. Estudos que avaliaram a proximidade a fontes específicas — como supermercados, fast-foods e lojas de conveniência — mostraram que o IMC tendia a ser maior em crianças mais distantes de supermercados ou próximas de estabelecimentos com alimentos pouco saudáveis.
Poucos estudos investigaram o consumo alimentar diretamente; os que o fizeram elucidaram parcialmente padrões de escolha alimentar, mas sem evidenciar impacto significativo no IMC.
Algumas pesquisas indicaram IMC mais elevado em crianças com acesso limitado a alimentos saudáveis, mas também consideraram variáveis como etnia, condição socioeconômica e acesso a lazer. Nos estudos inconclusivos, observou-se que crianças com maior IMC muitas vezes tinham mais acesso a alimentos, e o acesso a supermercados não mostrou efeito protetor consistente.
Embora alguns resultados tenham sido significativos, o impacto detectado do ambiente alimentar sobre a obesidade infantil foi pequeno.
Em minha opinião, a maior limitação do estudo é que, apesar de mencionar tratar-se de uma revisão sistemática, em nenhum momento do artigo — ou em seus materiais suplementares — foi avaliado o risco de viés e a qualidade dos estudos incluídos, o que suscita dúvidas quanto à real “força” dos resultados encontrados.
Miragem?
Baseado nesses achados, acredito que o posicionamento mais adequado seria afirmar que, possivelmente, os desertos alimentares (na conceituação de áreas de baixo acesso a alimentos saudáveis) existem, mas talvez, contrariando até mesmo o bom senso, isoladamente exerçam apenas uma pequena — embora significativa — contribuição para o aumento do risco de obesidade.
Além disso, como vimos, tentar sanar o problema simplesmente aumentando a quantidade de supermercados e feiras nessas regiões não é suficiente.
Barreiras e facilitadores
O artigo “Characterization of barriers and facilitators for adequate and healthy eating in the consumer’s food environment” apresenta estudo transversal realizado em Jundiaí (SP), entre dezembro de 2017 e abril de 2018, com auditoria do ambiente alimentar do consumidor em 92% dos 624 setores censitários urbanos. Os 8% restantes ficaram de fora por dificuldades de acesso ou violência.
Foram identificados 650 estabelecimentos alimentares, agrupados em seis categorias: (1) açougues, peixarias e abatedouros; (2) feiras e hortifrutis; (3) mercados de bairro; (4) supermercados; (5) padarias; e (6) comércios predominantemente de ultraprocessados (como lojas de conveniência, farmácias e docerias). Foram definidas variáveis de barreiras e facilitadores para escolhas alimentares saudáveis, a partir de um checklist da disponibilidade, variedade e preço (normal ou promocional) de 66 alimentos e bebidas.
As barreiras incluíram: publicidade, informações genéricas, modificações físicas e promoções que favorecem ultraprocessados, além de sua disponibilidade.
Supermercados se destacaram positivamente nos facilitadores: mais propaganda e informações sobre alimentos in natura, maior frequência de promoções e melhor disponibilidade desses itens.
Já feiras e hortifrutis apresentaram mais modificações físicas favoráveis à venda de alimentos in natura. Essas, junto a mercados de bairro e supermercados, foram as categorias com maior oferta de alimentos minimamente processados, ingredientes culinários e processados.
Conclui-se que a combinação entre publicidade, informações e promoções pode tanto incentivar quanto dificultar escolhas saudáveis — especialmente em supermercados. O ambiente interno dos pontos de venda ainda é pouco explorado nas pesquisas brasileiras e nas políticas públicas.
Estudos como esse mostram que barreiras à alimentação saudável operam em múltiplos níveis — desde características físicas dos estabelecimentos até percepções individuais sobre tempo, custo e sabor.
Sanando o problema?
Como era de se esperar, não existe uma única solução para superar as barreiras que dificultam o acesso a uma alimentação saudável. Além disso, cada país, devido às suas particularidades, precisa desenvolver estratégias adequadas à sua realidade.
Dito isso, a literatura científica apresenta algumas sugestões que podem ser úteis.
O estudo “Policy implementation and priorities to create healthy food environments using the Healthy Food Environment Policy Index (Food-EPI): A pooled level analysis across eleven European countries” teve como objetivo avaliar as diferenças entre países europeus quanto à implementação e suporte de políticas relacionadas ao ambiente alimentar em países da Europa.
As principais ações políticas incluíram promover alimentos saudáveis em escolas, regular a publicidade voltada a crianças e taxar alimentos e bebidas não saudáveis — proposta adotada por quase todos os países.
Os autores concluíram que há amplo potencial para fortalecer políticas alimentares e estruturas de suporte na Europa. Destacam a necessidade de estudos futuros que acompanhem a implementação e investiguem as causas das lacunas observadas. Enfatizam, ainda, os desafios impostos pelo lobby da indústria e pela limitada atuação da sociedade civil na promoção de ambientes alimentares saudáveis.
O estudo “Local Food System Approaches to Address Food and Nutrition Security among Low-Income Populations: A Systematic Review”, por sua vez, conduziu uma revisão sistemática baseada em pesquisas realizadas nos Estados Unidos, examinando medidas relacionadas à qualidade da dieta e à segurança alimentar. Foram incluídos estudos publicados entre 2000 e 2020, em inglês, que se enquadraram em três domínios: disparidades sociais, sistemas de valorização da cadeia alimentar (SVC) — como feiras, cestas agrícolas e programas “da fazenda à escola” — e práticas alimentares.
Nos estudos qualitativos avaliados, barreiras à participação em programas SVC foram relatadas em 24 publicações, e facilitadores, em 20. As principais barreiras incluíram:
- Falta de conveniência: Relutância ou impossibilidade de utilizar regularmente os pontos SVC devido a fatores como transporte, localização, horários limitados, baixa variedade ou confiabilidade dos produtos, necessidade de múltiplas paradas e problemas com os incentivos.
- Falta de conhecimento: Desconhecimento sobre locais e horários de funcionamento, aceitação de vouchers e percepção equivocada sobre preços.
- Incongruência cultural: Barreiras linguísticas, uso de assistência, presença de crianças ou ausência de alimentos culturalmente familiares.
Para cada barreira, foram sugeridas soluções como ampliação de horários, localização próxima a transporte público, marketing, inclusão de alimentos étnicos e ações de educação alimentar.
Entre os facilitadores, destacaram-se:
- Ambiente promotor da saúde: Para ampliar esse facilitador, recomendou-se investir em educação culturalmente adaptada sobre preparo, incorporação de frutas e verduras, segurança alimentar e temas gerais ou específicos de nutrição.
- Incentivos financeiros: Para fortalecer esse facilitador, recomendou-se oferecer incentivos práticos e acessíveis, além de promover educação para consumidores e funcionários sobre o uso adequado de programas de assistência alimentar.
- Coesão comunitária: Sugeriu-se promover os SVC como espaços de convivência e troca social.
- Qualidade das frutas e verduras: Recomendou-se conscientizar os consumidores sobre o custo-benefício por meio de marketing estratégico que valorize a qualidade e o preço competitivo dos produtos.
A revisão aponta que barreiras e facilitadores estão interligados e que intervenções sistêmicas — especialmente multimodais, combinando cupons, aulas de culinária e fornecimento gratuito ou subsidiado de alimentos — são mais eficazes que abordagens isoladas.
Pensando na nossa realidade, não sei até que ponto essas medidas realmente funcionariam. Embora façam sentido na teoria — como levar mercados para perto do transporte público ou promover ações educativas em regiões com acesso limitado a alimentos saudáveis —, sou cético. Sem vontade política e alocação real de recursos, nada disso sai do papel.
E há muita desinformação circulando, principalmente na internet, sobre benefícios sociais voltados a grupos necessitados. Um exemplo claro, para mim, é o Bolsa Família. Apesar de falhas, é um programa comprovadamente eficaz na redução da pobreza extrema. Ainda assim, segue sendo alvo de críticas infundadas, tanto de políticos quanto da população.
Reconhecer a complexidade desses desafios é o primeiro passo para superá-los. O próprio Bolsa Família demonstrou que políticas baseadas em evidência podem vencer obstáculos. Talvez o mesmo possa acontecer com nossos sistemas alimentares — começando pelas comunidades que mais precisam.
Mauro Proença é nutricionista