O que significa ser caipira nos dias de hoje? A estreia de Êta Mundo Melhor!, nova novela das 6 da TV Globo, na segunda-feira, 30, reacendeu o debate sobre os estereótipos por trás da população interiorana do país. Algumas representações na obra de Walcyr Carrasco, como comportamento, roupas e o sotaque, levantam questionamentos sobre a realidade do Brasil rural do século 21 retratada nas telas.
Protagonista de Êta Mundo Bom!, o carismático Candinho (Sérgio Guizé) volta mais maduro na continuação da novela, após viver o drama de ser abandonado ainda bebê no passado. Após a morte da mãe Anastácia, ele herda uma mansão, onde vive ao lado do seu fiel burro, mas segue com seu jeito humilde, carismático e sem perder o sotaque. Os traumas também o acompanham, desta vez pela saga de reencontrar o filho Junior, que foi sequestrado logo no início do capítulo pelo vilão Ernesto (Eriberto Leão). A dramatização destas figuras ditas “caipiras”, apesar de algumas críticas que apontam para o estereótipo, é mais próxima do real do que muitos “urbanos” imaginam.
“O interior brasileiro é enorme. Em todas as regiões você encontra diversidade. Por isso, não é verdade o que dizem sobre a novela exagerar no sotaque ou duvidar que ‘no Nordeste não se fala assim’. A novela expõe um recorte que, muitas vezes, dá a impressão de que estão querendo colocar o caipira estereotipado, mas não considero uma verdade”, analisa a cearense Aurora Leão, doutora em Comunicação pela UFJF e gestora da editora da Universidade Vale do Rio Doce. Para a pesquisadora, as novelas que melhor retrataram este universo foram Pantanal (1990/2022) e Renascer (1993/2024). “A novela é um painel muito rico das nossas identidades. E Benedito Ruy Barbosa é um mestre dessa coisa de ruralidade”, defende ela à coluna GENTE.
Outro ponto destacado pela ela é a conexão dos brasileiros com a história e o interior do país, quando a “vida não era tão selva de pedra” e com menos influência de outros idiomas. “Todo brasileiro, pelo menos aqueles que têm 30 anos ou mais, tem saudade da vivência interiorana, com essa população mais artesanal, amadora, no sentido de que não é uma população tão cheia de vícios da modernidade. As pessoas reclamam do caipira, mas não se queixam de quem coloca o inglês. Por exemplo, se fala ‘spam’ e não ‘lixo eletrônico’. Isso sim deveriam achar estranho”, dispara Aurora, que acredita no poder do capitalismo por trás deste preconceito. “O urbanóide está ligado à tecnologia, que está ligada a vendas. Muitas vezes as novelas que se passam no interior têm menos merchandising do que as demais”.
Em outras palavras, o caipira mostrado nas narrativas, como em No Rancho Fundo (2024) e Mar do Sertão (2022), estão mais atuais do que se imagina e bem distantes das “bolhas” que sentam em frente às televisões para julgá-las. “O Brasil é feito disso, e a população precisa se ver na televisão. É um traço característico da nossa cultura que deve ser mantido e preservado da forma que for”, conclui.