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O que podemos esperar do cinema brasileiro no âmbito internacional?

Em 2025 o cinema brasileiro vive um momento de prestígio e reconhecimento internacional. Entre múltiplos prêmios, Fernanda Torres foi a primeira brasileira a vencer, por exemplo, o Globo de Ouro de melhor atriz em filme dramático por Ainda estou aqui, e Wagner Moura venceu o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes por O Agente Secreto. Na seleta lista dos cem melhores filmes do século 21 divulgada em julho pelo periódico estadunidense The New York Times, o filme Cidade de Deus de Fernando Meirelles e Kátia Lund recebeu destaque na 15ª posição.

Para entendermos melhor este momento, conversamos com Hebert Neri, jornalista e crítico de cinema, que cobre os principais festivais de cinema do continente europeu como Cannes, Berlim e Veneza. Em meio ao momento sem precedentes que o cinema nacional vivencia, Neri falou sobre a relevância do nosso país na indústria cinematográfica mundial, analisou as novidades da 82ª edição do Festival de Veneza, e ofereceu perspectivas sobre as produções brasileiras para os próximos anos. Confira:

Hebert, como você avalia o atual momento do cinema brasileiro no contexto internacional, especialmente após as conquistas recentes em festivais europeus?

Hebert Neri – Acredito que ascendemos de convidados a protagonistas nessa grande festa que é a indústria cinematográfica internacional. Estamos vivendo um momento absolutamente histórico para o cinema brasileiro. O que presenciamos em 2024 e 2025 representa uma virada de chave definitiva na percepção internacional sobre nossa cinematografia. As recentes conquistas em Cannes, Berlim (Berlinale) e Veneza nos últimos dois anos reforçam a qualidade do nosso cinema e dos nossos diretores, atores, roteiristas e toda equipe técnica envolvida. De uma vez por todas, precisamos como povo abandonar a ideia do “underdog” no que diz respeito à nossa produção audiovisual. Hoje o mundo ovaciona nossas produções, que competem em pé de igualdade com os maiores nomes dessa indústria. E tudo isso, sem abrir mão da nossa identidade, da nossa forma de contar nossas histórias. Ainda estou aqui do Walter Salles venceu o prêmio de melhor roteiro em Veneza ano passado, e trouxe prêmios inéditos este ano, como o Globo de Ouro de melhor atriz para Fernanda Torres e o Oscar de melhor filme estrangeiro para o Brasil. O filme O Último Azul, dirigido por Gabriel Mascaro, foi o vencedor do Urso de Prata este ano no Berlinale, enquanto O Agente Secreto foi destaque absoluto em Cannes. Poderíamos citar muitos outros filmes como Betânia, Manas, Alma do Deserto e Olho D’Agua. A qualidade do nosso cinema, que é tão plural e diverso como o nosso próprio povo, conquistou a crítica internacional.

 

Falando especificamente de Veneza 2025, como você enxergaa ausência de filmes brasileiros na competição oficial após o sucesso de 2024?

Hebert Neri – A ausência brasileira em Veneza este ano é um fenômeno cíclico e não deve ser interpretada como retrocesso. É importante contextualizar: em 2024, tivemos uma presença excepcional com seis filmes, incluindo Ainda estou aqui na competição principal, Manas de Marianna Brennand e o documentário Apocalipse nos Trópicos de Petra Costa. Veneza sempre foi estratégica para o cinema brasileiro. Historicamente, desde O descobrimento do Brasil de Humberto Mauro em 1938 até nossas conquistas recentes, o festival se mostrou receptivo à nossa cinematografia. A ausência em 2025 pode ser vista como um momento de oxigenação necessária, especialmente considerando que nossos cineastas estavam focados em outros festivais importantes. Fernanda Torres, inclusive, integrou o júri oficial da competição principal este ano, mantendo nossa presença simbólica no evento.

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O Brasil foi país de honra em Cannes 2025. Como essa distinção impacta a projeção internacional do cinema brasileiro?

Hebert Neri – O Brasil como país de honra em Cannes não poderia acontecer em um momento melhor, que também foi o ano em que comemoram-se os 200 anos de relações diplomáticas Brasil-França. O que vimos em Cannes foi um reconhecimento extraordinário da nossa maturidade cinematográfica em todos os sentidos. Essa distinção colocou o Brasil no centro das atenções durante o Marché du Film, que é o maior mercado de cinema do mundo, posicionando o nosso país em um lugar privilegiado não apenas no contexto cultural, do soft power, de formar opinião, mas também dentro de uma indústria internacional que movimenta bilhões de dólares. Estive no Marché du Film no estande do Brasil e participei de conversas com diretores, atores, produtores e investidores do mundo inteiro, que se dirigiam ao local para fazer negócios, exportar nossa produção audiovisual e até mesmo considerar o Brasil como possível locação de seus futuros filmes. Os números indicam que ocupar essa posição de destaque teve um impacto imediato e mensurável, aumentando em 26% a participação de profissionais brasileiros no evento, conforme destacou Guillaume Esmiol, diretor-executivo do Marché du Film. Isso certamente reflete a força global da indústria cinematográfica brasileira e sua conexão com Cannes.Ainda como fruto desse destaque em Cannes, filmes nacionais fecharam acordos de distribuição para os EUA, Reino Unido, Ásia e América Latina, tanto cinema como streaming. Isso demonstra que nossa cinematografia não é mais vista como exótica, mas como competitiva em termos comerciais e artísticos.

 

Considerando sua experiência cobrindo Berlim, Cannes e Veneza, como você compara a receptividade do cinema brasileiro nesses três festivais?

Hebert Neri – Cada festival de cinema tem sua própria identidade e reação ao cinema brasileiro. Berlim, por exemplo, não se preocupa tanto com o luxo e o glamour como os demais. A Berlinale, com sua “alma alemã”, é mais discreta, embora tecnológica e moderna, contrastando com o glamour comercial de Cannes e o charme artístico e apelo histórico de Veneza. Como a Berlinale acontece em fevereiro, durante o inverno europeu, as temperaturas baixas em Berlim fazem com que as aparições das celebridades no tapete vermelho sejam mais breves do que em Cannes e Veneza, que ocorrem na primavera e no verão, respectivamente. A Berlinale valoriza a diversidade e o cinema independente, abordando temas como direitos humanos e questões socioculturais. Isso se reflete na excelente recepção de filmes como Central do Brasil, que ganhou o Urso de Ouro em 1998, e Tropa de elite, de José Padilha, em 2007. Em 2025, O último azul, de Gabriel Mascaro, continuou essa tradição ao conquistar o Urso de Prata. Com uma programação mais acessível, o festival frequentemente oferece sessões abertas ao público, promovendo uma experiência inclusiva. Em contraste, Cannes é um festival exclusivo, onde apenas convidados, celebridades e profissionais da mídia e da indústria cinematográfica participam de fato, contando com poucas atividades abertas ao público, como o “Cinema de La Plage”, um telão gigantesco instalado em plena areia da praia. Cannes é o festival mais prestigiado, glamouroso e comercialmente relevante dos três, com um histórico de oito prêmios principais conquistados pelo Brasil. Nossa trajetória é notável: desde O pagador de promessasganhando a Palma de Ouro em 1962, até Fernanda Torres, que venceu a Palma de Ouro de melhor atriz em 1986 com Eu Sei Que Vou Te Amar, um fato pouco lembrado. Sandra Corveloni também recebeu o prêmio de melhor atriz em 2008 por Linha de Passe de Walter Salles. Recentemente, Bacurau (2019) e O Agente Secreto (2025) foram premiados. Cannes valida nossa cinematografia tanto artisticamente quanto comercialmente.Veneza, o festival de cinema mais antigo do mundo, celebrou sua 82ª edição este ano e tem sido especialmente generoso conosco recentemente, especialmente com filmes que abordam questões sociais contemporâneas. O festival italiano valoriza nossa habilidade de transformar nossos percalços e desafios sociais em narrativas universais, como demonstrado por Ainda estou aqui. No entanto, nosso histórico de vitórias em Veneza começou apenas no ano passado. Desde a primeira participação em 1938, cerca de 20 filmes brasileiros já foram exibidos no festival.

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Quais são suas expectativas para o Brasil no Oscar 2026, considerando os seis finalistas anunciados pela Academia Brasileira de Cinema?

Hebert Neri – A escolha de O Agente Secreto como representante brasileiro foi acertada e estratégica. O filme já sai com uma campanha consolidada: dois prêmios em Cannes, distribuição pela Neon que emplacou Parasita e Anatomia de uma queda e uma narrativa que dialoga com questões políticas universais. Os outros finalistas também eram competitivos: O último azul com o Urso de Prata de Berlim, Manas com mais de 20 prêmios internacionais, Oeste Outra Vez vencedor em Gramado. Isso mostra a diversidade e qualidade da nossa produção atual. O Agente Secreto tem potencial para competir não apenas em melhor filme internacional, mas também em categorias como melhor ator para Wagner Moura e melhor roteiro original. A Academia americana já demonstrou apreço pelo cinema brasileiro com Ainda estou aqui, e a continuidade dessa receptividade dependerá de nossa capacidade de manter a qualidade e relevância narrativa. Sendo assim, as expectativas são as melhores possíveis já que o cinema brasileiro vive seu momento mais promissor na arena internacional. Nossa cinematografia amadureceu, nossos profissionais ganharam reconhecimento global, e nossa capacidade de produzir narrativas universais a partir de experiências locais se consolidou. Isso demonstra que nosso cinema segue amadurecendo e entendendo seu “lugar de fala, procurando cada vez menos se parecer com o cinema norte-americano e europeu e cada vez mais assumindo sua característica própria, sem achar que precisa abrir mão de sua identidade para ser um “Big Mac abrasileirado”, um produto que reze sem desviar uma vírgula da cartilha das fórmulas e padrões de Hollywood, ou de qualquer outra indústria internacional relevante. Logo, o desafio para nos mantermos neste momento de ouro e expandir nossa presença nos circuitos internacionais é permanecermos autênticos, trazer para a mesa algo que outros países não tenham trazido para a conversa, entendermos quem somos e continuarmos a mostrar-nos para o mundo de uma maneira única e original, apesar dos desafios que temos. E se estamos falando do que esperar para o futuro no Oscar, não podemos nos esquecer do nosso passado, pois a conquista do primeiro Oscar de melhor filme internacional com Ainda estou aqui representa o auge de um processo que, embora tenha sido temporariamente interrompido, especialmente entre 1980 e 1994, renasceu como uma fênix em todo o seu esplendor. O que quero dizer é que o sucesso atual do Brasil nos festivais europeus e no Oscar é fruto das bases lançadas por pioneiros como Paschoal e Affonso Segreto, Humberto Mauro, Adhemar Gonzaga, Mário Peixoto, Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, entre outros, que estabeleceram uma identidade cinematográfica do nosso cinema e abriram caminho para cineastas contemporâneos premiados como Walter Salles, Fernando Meirelles, Kleber Mendonça Filho, José Padilha, Anna Muylaert, Karim Aïnouz, entre outros, assim como o magnífico trabalho de atrizes como Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Sandra Corveloni, Marcélia Cartaxo e Ana Beatriz Nogueira que têm contribuído significativamente ao contar as nossas histórias para o mundo de uma maneira que somente nós, brasileiros, sabemos fazer. Viva o Cinema Nacional.  

 

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