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O que os lugares que concentram centenários têm a nos ensinar

A vida longa com qualidade depende de três fatores fundamentais: biologia (genética) do indivíduo, ambiente e comportamento (hábitos). Influir na genética é um sonho ainda remoto. Resta, portanto, focar no que pode ser feito quanto ao ambiente e estilo de vida para conquistar o tão almejado envelhecimento, não somente saudável, mas também ativo e participativo.

Vale lembrar que as doenças cardiovasculares merecem destaque nesse contexto, pois têm um enorme impacto sobre a mortalidade e a qualidade de vida da população mais idosa.

Mas qual a fórmula mágica da “fonte da juventude”? Está longe ou perto de nós? Esta fórmula não guarda muito segredo: controlar periodicamente a pressão arterial, glicemia e níveis de colesterol, evitar sobrepeso, álcool e fumo, adotar alimentação balanceada, atividade física na rotina, combater estresse, ter sono adequado, socializar, ter objetivo de vida e conexão espiritual.

Além disso, idealmente, o ambiente em que se vive deve oferecer segurança, fácil acesso à saúde, baixa poluição, saneamento básico adequado e promoção de educação e socialização. Medidas como essas podem proporcionar notáveis reduções de risco para doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e demência. E, consequentemente, aumentam a longevidade, com qualidade.

Parece simples, porém, na prática, são poucas pessoas que conseguem viver dentro dessas condições e atravessar a fronteira dos 100 anos. Mas existem comunidades que conquistaram um grau de excelência. São as regiões denominadas “Blue Zones” (zonas azuis), localidades cujo número de habitantes longevos, incluindo muitos centenários, está muito acima da média mundial. Nelas são baixas as taxas de doenças crônicas, incluindo as cardiovasculares.

O termo Blue Zone foi utilizado pela primeira vez pelo demógrafo belga Michel Poulain e pelo gerontólogo italiano Gianni Pes em artigo publicado na revista Experimental Gerontology, em 2004. Na época, eles detectaram áreas na Sardenha (Itália) com alta concentração de centenários e usaram círculos feitos com caneta azul para estaca-las no mapa. Mais recentemente, a denominação foi popularizada pelo escritor norte-americano Dan Buettner, fundador do Projeto Zonas Azuis, organização cujo objetivo é desvendar as melhores estratégias para manter a saúde e aumentar a expectativa de vida.

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A metodologia adotada para pesquisar Blue Zones envolve a análise de dados demográficos, estudos sobre o modo de viver e a identificação de fatores comuns que agregam longevidade saudável: alimentação rica em vegetais, grãos e sementes e pobre em açúcar e ultraprocessados; atividade física caracterizada por movimentação constante; menos estresse; propósitos de vida; sentimento de pertencer a um grupo; fé e convívio familiar.

 O que elas têm de especial

Hoje temos cinco Blue Zones reconhecidas no mundo:

• Okinawa (Japão) – dieta local rica em vegetais, peixes e alimentos com baixo teor calórico. A população registra pouquíssima ocorrência de problemas cognitivos na terceira idade e as mulheres vivem por mais tempo.

• Loma Linda, (Califórnia, EUA) –  lar de uma comunidade adventista, que segue um estilo de vida saudável, incluindo comida vegetariana, abstenção de álcool e tabaco e ênfase no descanso e exercício.

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• Península de Nicoya (Costa Rica) – expectativa de vida surpreendente: a chance de um idoso chegar aos 100 anos é sete vezes maior do que no Japão, por exemplo. A península tem as taxas mais baixas de mortalidade na meia-idade e a segunda maior concentração de homens centenários.

• Sardenha (Itália) – maior concentração de homens centenários do mundo. Predominam famílias de pastores e pequenos agricultores cujas refeições incluem pão carta de música (um pão fino, típico da região), leite de cabra, vinho cannonau (idem) e vegetais sazonais.

• Ilha de Ikaria (Grécia) –  cerca de 30% da população ultrapassa os 90 anos livres de doenças crônicas. Da mesma forma que a dieta mediterrânea, a dieta ikariana inclui gorduras saudáveis, fibras e alimentos integrais.

E o Brasil?

No Brasil não há regiões que atendam aos critérios para serem catalogadas como Blue Zones. Em contrapartida, temos cidades reconhecidas pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) elevado, sinalizando potencial para alcançar qualidade de vida e afastar doenças crônicas, tal qual acontece nas Zonas Azuis. O cálculo do IDH é feito a partir de dados de expectativa de vida, educação, Produto Interno Bruto (PIB) e poder de compra per capita. O índice varia de 0 a 1.

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Entre as 50 cidades com maiores IDHs do Brasil, 30 ficam no Estado de São Paulo. São Caetano do Sul, no ABC paulista, está em primeiro lugar, com IDH de 0,862, e Águas de São Pedro em segundo, com IDH de 0,854.

Longevidade e educação colaboram para que o IDH do município tenha índices altos. E, por educação, entenda acesso a informações que conscientizam sobre bons hábitos – praticamente os mesmos cultivados nas Blue Zones – além do uso correto do arsenal terapêutico disponível para manter esses parâmetros em bons níveis, quando recomendado pelos médicos.

 O IDH elevado também propicia uma conscientização da população e maior cobrança em relação ao poder público para promover saneamento básico de qualidade, investimentos em segurança pública e estratégia de combate à poluição. Um pacote essencial que foi definido pela sigla ESG – Environmental, Social and Governance (ambiental, social e governança) e que é tema central deste Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP.

A importância de socializar

Outro aspecto comum, que vale ser destacado, entre as Blues Zones é a socialização. Os moradores dessas regiões prezam interagir em grupos, desfrutando atividades de lazer. E este é um ponto positivo que, comprovadamente faz bem ao coração.

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Entre as condições que levam ao risco de desenvolver doenças cardiovasculares, a solidão é um deles e com peso grande: solitários têm 30% mais chances de morrer por causas cardíacas do que quem vive comunitariamente. O dado é da Organização Mundial da Saúde – OMS.

Um estudo internacional desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Miami, nos EUA, também endossa o risco à saúde que tanto a solidão como o isolamento acarretam: solitários têm 26% mais chance de morte precoce quando comparados aos sociáveis. Já quem experimenta o isolamento tem 29% mais probabilidade de óbito prematuro na comparação com os não isolados.

Hoje não falamos apenas em viver mais, mas em viver melhor – e a única fonte da juventude possível é envelhecer de forma ativa, participando da vida em comunidade. É preciso olhar para todos esses aspectos e entender que – mesmo que exija esforço governamental e pessoal – encontrar esta fórmula estáao nosso alcance.

* Mauricio Wajngarten é cardiogeriatra e assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP

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