O surto de Histoplasmose no Hospital Santa Rita de Cássia, em Vitória (ES), acendeu um alerta que vai muito além dos muros da instituição.
A identificação do fungo Histoplasma capsulatum reforça uma lição essencial: a de que o ambiente hospitalar, mesmo sendo um espaço de cura, pode se tornar um vetor de risco quando os cuidados com a infraestrutura não caminham junto com a excelência assistencial.
Esse microrganismo vive naturalmente no solo, especialmente em locais úmidos e ricos em matéria orgânica, com presença de fezes de aves e morcegos. Ele não é novo, tampouco exótico. Está entre nós há séculos, silencioso, à espera das condições ideais para se multiplicar e se dispersar.
Quando o solo é movimentado, por obras, limpeza de dutos ou infiltrações, seus esporos são lançados no ar e podem ser inalados, atingindo pessoas vulneráveis.
A Histoplasmose, na maioria dos casos, passa despercebida. Os sintomas se confundem com os de uma gripe ou pneumonia comum. Mas em indivíduos imunodeprimidos, como pacientes oncológicos, transplantados ou pessoas vivendo com HIV, a doença pode se disseminar para outros órgãos, com consequências graves.
E é justamente aí que está o desafio: reconhecer o invisível antes que ele cause impacto.
O recente episódio do Espírito Santo revela um ponto cego ainda presente em muitos hospitais brasileiros: a subvalorização da vigilância ambiental. É natural que os esforços se concentrem nas bactérias multirresistentes ou nas infecções associadas à assistência.
No entanto, fungos ambientais como o Histoplasma também devem estar no radar dos programas de controle de infecção. A umidade, a ventilação e a integridade das estruturas físicas são variáveis que, quando negligenciadas, abrem caminho para surtos.
Vigilância ambiental não é apenas um protocolo, é uma mentalidade preventiva. Envolve a inspeção regular de dutos, o monitoramento da umidade, o controle de infiltrações e a higienização adequada de áreas com potencial acúmulo de matéria orgânica.
São ações que exigem investimento, planejamento e integração entre engenheiros, equipes de manutenção e profissionais de saúde.
A resposta rápida das autoridades do Espírito Santo, com apoio da Fiocruz e do Lacen-ES, é um exemplo de atuação coordenada que deve ser valorizada. A identificação do agente e a adoção de medidas de desinfecção demonstram que a vigilância epidemiológica ativa é, de fato, o caminho mais eficaz para conter surtos e proteger vidas.
Como infectologista, acredito que esse episódio reforça um ponto central: a medicina moderna precisa voltar seu olhar não apenas para o paciente, mas também para o ambiente que o acolhe.
A infecção é um fenômeno biológico, mas também estrutural, e a prevenção depende de enxergarmos o hospital como um ecossistema vivo, onde o controle ambiental é parte inseparável do cuidado.
O caso do Espírito Santo não é apenas uma ocorrência isolada. É um lembrete de que, em tempos de alta complexidade e tecnologia, ainda são os detalhes invisíveis que podem determinar a segurança do paciente.
*Klinger Soares Faíco Filho é infectologista, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e CEO da Achado, hub de educação médica