Acaba de chegar ao fim — finalmente — a saga cinematográfica do casal de investigadores paranormais Ed e Lorraine Warren com Invocação do Mal 4: O Último Ritual, já em cartaz no Brasil. Após doze anos que se arrastaram, o que era um filme de terror arrepiante e eficaz do cineasta James Wan se tornou uma franquia épica desenfreada, que multiplicou os absurdos a cada lançamento em ordem proporcional à receita bilionária, que passa dos 2,2 bilhões e é a maior para qualquer franquia do gênero com ajuda dos derivados Anabelle e A Freira. De um lado, o feito é respeitável: ao reconhecer que o horror vende por si só e abre alas para monstros tão memoráveis quanto reprodutíveis, Wan adaptou a mentalidade de artista à de produtor e concordou em criar uma linha de produção aparentemente inofensiva, como fazem os supervisores dos universos Marvel e DC. É nesta guinada para o heroísmo cartunesco, porém, que repousa aquilo de mais pavoroso no encerramento da quadrilogia: o retrato desonesto dos Warren como protagonistas morais inequívocos, mutantes armados com a cruz.
Em sua última aventura nas telas, Ed (Patrick Wilson) e Lorraine (Vera Farmiga) estão afastados do batente em nome da saúde do homem, que tem o coração fraco. No subúrbio americano, eles criam a filha Judy, tão mediúnica quanto a mãe, e fazem o possível para afastar qualquer interferência das forças do mal em seu cotidiano. Enquanto isso, a família Smurl passa a ser aterrorizada na Pensilvânia quando um espelho amaldiçoado é adquirido por um dos familiares. O item não é só mais uma quinquilharia demoníaca e tem ligações ao passado dos Warren e, especialmente, ao nascimento de Judy. Forçados a enfrentar o mal pela última vez, os dois então partem para ajudar o núcleo em apuros — isso após mais da metade do filme, que é dividido de forma desconjuntada.
Os Warren, contudo, não funcionam como protagonistas, e sim como fio condutor das histórias assustadoras conectadas a eles, peças que substanciam a alegação sinistra de que tudo na tela é “inspirado em uma história real”. O público se deixa arrepiar pela ideia, mas sabe (ou deve saber) que, no fim, a conexão da trama de terror ao mundo real é mera tática de marketing e que o trabalho do casal sempre foi amplamente contestado e carente de qualquer prova material. Ed e Lorraine, por exemplo, investigaram a infame casa de Amityville e afirmaram notar presença paranormal lá, anos antes que o advogado de defesa da família assombrada, William Weber, admitisse que tudo havia sido orquestrado com base em factoides: “Em outras palavras, era uma farsa”. O Último Ritual, contudo, retrata o clã Warren com fé digna dos santos e com os poderes psíquicos dos X-Men. Em certo instante, o longa ousa sugerir que o trabalho de ambos era ridicularizado pela comunidade científica do século XX, mas hoje é respeitado e faz parte do mainstream. Em nome do engrandecimento dos protagonistas para efeito dramático, o filme não para de ofender a inteligência de seu público.
Superestimando o que a plateia é capaz de engolir, o longa também acaba largando mão da sofisticação na hora de orquestrar seus sustos e assombrações, tão vulgares quanto recortes de papelão em um parque de diversão. No lugar do suspense, despontam fantasmas de visual genérico e ora risível — que, por outro lado, ao menos oferecem divertimento. Na falta da construção de uma história cativante inédita, O Último Ritual ainda recorre a uma participação especial da boneca Annabelle. Ela, que sempre foi um macabro objeto inanimado em suas representações anteriores, exemplifica o problema central ao filme quando é descaracterizada a troco de um susto barulhento e fugaz.
Se as bobagens fossem admitidas, O Último Ritual seria passável como programação descompromissada. Quem dera ele não martelasse suas pretensões descabidas por 135 minutos.
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