Na primeira sessão do julgamento do núcleo central da trama golpista, a ministra Cármen Lúcia interveio durante a sustentação do advogado Paulo Renato Cintra, defensor de Alexandre Ramagem. Ele havia tratado “voto impresso” e “processo auditável” como se fossem sinônimos, reproduzindo uma das teses usadas reiteradamente por Jair Bolsonaro e aliados para desacreditar o sistema eletrônico de votação.
A ministra cortou a fala e foi taxativa: “O processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil”, desde 1996. E acrescentou que a confusão entre os termos foi utilizada deliberadamente para espalhar desinformação contra a Justiça Eleitoral.
O gesto não foi apenas retórico. Uma das linhas da denúncia da PGR sustenta que a campanha sistemática de ataques às urnas foi peça central na engrenagem golpista — preparando o terreno para as medidas de exceção discutidas pelo núcleo duro do governo. Permitir que essa narrativa fosse reproduzida ao vivo pela TV Justiça, diante de milhares de espectadores, seria dar palco à mesma mentira que ajudou a sustentar a escalada até o 8 de janeiro.
Nos bastidores, a intervenção de Cármen foi vista como um “puxão de orelha” necessário. Servidores e ministros elogiaram o gesto, entendendo que a ministra assumiu para si a responsabilidade de impedir que a sessão se transformasse em instrumento de disseminação de fake news.
Assim, o episódio expôs mais do que um embate pontual: mostrou como o Supremo, no julgamento mais importante de sua história recente, também se vê diante da missão de conter, em tempo real, a repetição das narrativas que alimentaram a tentativa de golpe.