Com juros no maior patamar em quase 20 anos, inflação persistente e orçamento pressionado, as empresas brasileiras devem atravessar o próximo ano com pouca margem para reajustes. O Guia Salarial de uma das principais consultorias de recrutamento do mundo, a Michael Page, mostra que apenas 20% pretendem conceder aumento real, ou seja, acima da inflação, para seus funcionários.
A pesquisa também indica que os profissionais não estão nada contentes com a situação. Quase 60% dos profissionais não receberam reajuste nos últimos 12 meses e só 5% dizem estar satisfeitos com a remuneração atual. O levantamento ouviu mais de 7 mil profissionais de 998 empresas de todo o Brasil.
Os resultados mostram que mesmo diante desse freio nas remunerações, a disputa por talentos continua movimentando o mercado: 73% das empresas relatam dificuldade para contratar mão de obra qualificada. “Há dificuldade de encontrar mão de obra em todos os níveis, desde a mão de obra mais básica, qualificada, no mercado de trabalho, até em alguns casos no mercado executivo”, afirma Lucas Oggiam, diretor da Michael Page no Brasil.
O país até forma profissionais tecnicamente bem preparados, diz ele. Mas não o suficiente para acompanhar a velocidade da demanda e com um velho problema. “O nosso grande tendão de Aquiles técnico, de forma geral, é o inglês. O Brasil ainda tem uma formação ruim no idioma e segue sendo uma baixa categoria competitiva em um modelo de empregabilidade em escala global”, diz o executivo.
Com caixa curto, as empresas têm selecionado melhor onde investir. “As empresas têm escolhido as batalhas, escolhido os desafios que elas vão enfrentar”, afirma. Segundo ele, os ajustes salariais menores refletem uma preocupação dominante: “O maior desafio da maioria das empresas nesse momento é gestão de caixa. Os juros estão insuportavelmente altos e as empresas estão extremamente pressionadas”.
A alternativa encontrada pelas companhias é melhorar o pacote de benefícios. Hoje, 55% das empresas consideram os benefícios determinantes para atrair e reter talentos. Do outro lado da mesa, 42% dos profissionais pedem formatos flexíveis de benefícios. Ainda assim, a adesão avança lentamente. “Quase 50% das pessoas querem benefícios flexíveis, mas menos do que 40% ou 30% das empresas efetivamente dão benefícios flexíveis”, diz Oggiam.
O desafio na qualificação passa um pouco menos pelo técnico e mais pelo comportamento. Pensamento crítico, comunicação, inteligência emocional e capacidade de lidar com pressão são cada vez mais determinantes, segundo a pesquisa.
Os três grandes desafios da liderança em 2026
As mudanças no ambiente de negócios colocaram na primeira linha três exigências para quem ocupa cargos de liderança ou aspira a eles. A primeira é a resiliência. “Entre dois e cinco anos para cá, a vida está muito mais difícil. A vida corporativa está muito mais difícil”, diz Oggiam. “Você precisa de um tipo de resiliência maior e um tipo de resiliência melhor para encarar os desafios que nem sempre têm uma solução objetiva”.
A segunda é a adaptabilidade cultural. “As empresas nos últimos dois a três anos, elas estão cada vez mais diferentes entre elas”, afirma. A mesma função, em uma companhia similar e no mesmo setor, pode exigir comportamentos completamente distintos algo que parte dos executivos não consegue acompanhar. “O brasileiro se ilude em ser adaptável mas a adaptabilidade no meio corporativo não é para todos”, diz.
A terceira é a nova liderança. “Liderar hoje em dia, quatro, às vezes cinco gerações diferentes no mesmo ambiente, tendo que liderar à distância muitas vezes. A maioria dos líderes não está preparada para isso.” Na prática, ainda há choque quando performance passa a ser mensurada por indicadores e entregas, e não pela presença física e relações informais. Exemplo desse dilema e do comportamento das empresas é o recente caso das demissões em massa realizadas pelo Itaú.
Se, de um lado, profissionais que acreditam fazer mais do que recebem e do outro, empresas estão convencidas de que entregam mais do que é percebido, é preciso melhorar a comunicação. “A clareza de expectativas é fundamental e a comunicação entre as partes é o melhor caminho para você resolver as dores que existem hoje nas empresas”, diz.
Para Oggiam, se destacam os profissionais com capacidade para assumir a própria carreira e desenvolver competências além da execução mecânica. “Se você tem um intelecto ou algum aporte emocional ou institucional, a chance é que você tenha oportunidades dentro da empresa nos próximos anos”, destaca