A denúncia de sexualização de menores de idade na internet publicada pelo youtuber Felca, em vídeo divulgado em 6 de agosto, pode ser o impulso que faltava para emplacar a regulação das redes sociais no Congresso. Uma proposta voltada especificamente à proteção de crianças e adolescentes na internet, que tramitava desde 2022, ganhou força com a repercussão e o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), determinou a criação de um grupo de trabalho para analisar o tema.
O “ECA Digital”, como ficou conhecido o projeto de lei nº 2.628, de 2022, prevê uma série de obrigações que as plataformas digitais devem cumprir para oferecer serviços no Brasil que envolvam crianças e adolescentes, tanto como usuários quanto produtores e participantes de conteúdo online. O texto do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) chegou à Câmara em dezembro do ano passado — na última terça-feira, 12, um relatório do deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI) foi apresentado e pode ser votado já nesta semana
Em linhas gerais, a proposta estabelece que plataformas acessadas por crianças e adolescentes têm o dever de evitar que estes usuários sejam expostos a conteúdo nocivo, como abuso sexual, pornografia, violência física e incentivo ao vício, comportamento compulsivo ou transtornos psiquiátricos, além de publicidade envolvendo jogos de azar, bebidas alcoólicas e cigarros. Outro ponto central é fortalecer os mecanismos de privacidade de internautas menores de idade, incluindo o controle mais rígido de faixa etária, e vetar a prática do “perfilamento” de seus hábitos para fins de direcionamento de anúncios.
As principais empresas afetadas pela nova regulação seriam as big techs que operam redes sociais, como Meta (dona do Instagram, Facebook e WhatsApp), Google (controladora do YouTube), TikTok, Kwai, X (ex-Twitter) e Telegram. “Na prática, a lei obriga as empresas a adotar uma postura ativa em relação à proteção de menores, investindo em meios técnicos e no estado da arte da tecnologia para monitorar o conteúdo inadequado e reagir de forma rápida às denúncias dos usuários”, explica Juliano Maranhão, professor de Direito da USP, diretor do instituto Legal Wings e consultor do PL 2.628/2022 na Câmara.
A nova lei, contudo, deixa clara a responsabilidade compartilhada de pais e responsáveis em orientar os filhos sobre o consumo de conteúdo online. O relatório apresentado atribui à família a obrigação do “cuidado ativo e contínuo, por meio da utilização de ferramentas de supervisão parental”, e também incumbe os produtores de conteúdo digital e as autoridades públicas de impedir a exposição indevida e exploração de crianças e adolescentes.
Para especialistas, a divisão do dever de cuidado entre empresas, família e Estado deve ser um dos pilares de uma legislação capaz de proteger menores de idade na internet sem, contudo, atribuir às big techs a postura de “guardiãs” do consumo de conteúdo pelos mais jovens. “O caminho é que as plataformas reduzam a amplificação de conteúdo nocivo por meio de algoritmos e ofereçam, de forma robusta, meios técnicos e informações que permitam aos pais e responsáveis protegerem crianças e adolescentes”, avalia Rony Vainzof, especialista em Direito Digital do escritório VLK Advogados.