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O que as mudanças climáticas têm a ver com o aumento do câncer

Casos de câncer de pulmão em pessoas que nunca fumaram têm se tornado cada vez mais frequentes na prática clínica oncológica. Mulheres jovens, praticantes de exercícios físicos e com hábitos saudáveis recebendo diagnósticos de tumores pulmonares em estágios avançados, situações que há alguns anos seriam raras exceções, hoje compõem uma realidade preocupante. A pergunta que não quer calar é: por quê?

A resposta, embora complexa, passa inevitavelmente pelas mudanças climáticas e seus impactos na saúde humana. É exatamente por isso que a COP-30, que reúne líderes mundiais em Belém, precisa colocar a saúde – e especialmente o câncer – no centro da agenda climática.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 95% da população mundial respira ar poluído todos os dias. Isso não é apenas uma estatística: é uma sentença de saúde pública. Não surpreende, portanto, que o perfil dos pacientes com câncer de pulmão mudou significativamente nos últimos anos.

Estudos recentes indicam que entre 10% e 25% dos diagnósticos de câncer de pulmão no mundo ocorrem em pessoas que nunca fumaram, o que no Brasil pode significar cerca de 6 mil casos apenas em 2025. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) projeta 32.560 novos casos de câncer de pulmão no país neste ano, e uma parcela expressiva atinge mulheres sem qualquer histórico de tabagismo. O que mudou? O ar que respiramos é certamente uma variável importante.

As micropartículas conhecidas como PM 2.5 são 30 vezes menores que um fio de cabelo. Invisíveis e imperceptíveis, essas partículas liberadas pela queima de combustíveis fósseis e pelas queimadas que assolam nossos biomas penetram profundamente nos pulmões, causando inflamação crônica e alterações celulares que podem evoluir para tumores malignos. O estudo “Sherlock Lung”, publicado na revista Nature, analisou 871 pacientes não fumantes e descobriu que mutações genéticas relacionadas ao câncer de pulmão eram mais comuns em regiões altamente poluídas, como Hong Kong e Taiwan.

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A poluição não apenas danifica o DNA, ela acelera a divisão celular, aumentando a probabilidade de erros que levam ao câncer. O preocupante é que essas consequências não aparecem imediatamente. O ar que respiramos hoje pode nos adoecer daqui a 10, 15, 20 anos. O preço da inação climática será pago pelas próximas gerações.

E por aqui a situação ganha contornos ainda mais alarmantes se considerarmos os riscos das queimadas que atingiram diversas regiões do país nos últimos anos e expuseram milhões de pessoas a níveis perigosos de poluição atmosférica. Outro exemplo prático, o fenômeno da “chuva preta” que atingiu o Sul do país foi apenas a manifestação visível de um problema invisível e muito mais grave.

Há um aumento imediato nas internações por problemas respiratórios agudos, mas as consequências mais graves — como o desenvolvimento de câncer — aparecerão muitos anos depois. Pacientes de São Paulo e Brasília chegam aos consultórios com sintomas respiratórios resultado direto da fumaça transportada por ventos vindos da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal.

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Outro desafio é a ausência de protocolos de rastreamento adequados para esse novo perfil de pacientes. No Brasil, a tomografia de baixa dose — exame recomendado para detecção precoce do câncer de pulmão — é indicada apenas para pessoas entre 50 e 80 anos com histórico de tabagismo intenso. Isso deixa de fora justamente o grupo que mais cresce entre os diagnósticos: os não fumantes. Estudos realizados em Taiwan demonstraram que o rastreamento pode identificar câncer de pulmão em 2,6% dos indivíduos que nunca fumaram, mas possuem histórico familiar da doença — percentual considerado eficaz o suficiente para que o país adotasse o rastreamento rotineiro também para esse grupo.

A realização da COP-30 em Belém representa uma oportunidade histórica para o nosso país liderar a discussão sobre a interface entre mudanças climáticas e saúde. As estimativas da OMS indicam que as mudanças climáticas podem causar mais de 250 mil mortes adicionais por ano entre 2030 e 2050. A crise climática e a crise de saúde pública não são questões separadas, são faces da mesma moeda. As decisões tomadas hoje sobre emissões de gases de efeito estufa, controle de queimadas e qualidade do ar terão impacto direto na incidência de câncer e tantas outras doenças graves nas próximas décadas.

É fundamental investir em pesquisa epidemiológica robusta, revisar protocolos de rastreamento para refletir a nova realidade da doença, implementar políticas públicas efetivas de monitoramento da qualidade do ar e romper com o estigma de que câncer de pulmão é uma “doença de fumantes”. Cada decisão sobre políticas ambientais tem repercussão direta na saúde das pessoas. Cada meta de redução de emissões representa não apenas árvores salvas ou geleiras preservadas, representa vidas humanas que podem ser poupadas do câncer.

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*Mariana Laloni é oncologista da Oncoclínicas

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