A decisão do Itaú de desligar cerca de mil funcionários após a revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada abriu um novo capítulo na discussão sobre home office no Brasil. Segundo o banco, as demissões na segunda-feira, 8, foram motivadas pela falta de produtividade e atingiram principalmente trabalhadores em regime híbrido, que representam cerca de 60% do quadro.
Segundo apurou o Radar Econômico, o Itaú, que tem mais de 100 mil funcionários, mediu a produtividade por meio do monitoramento de memória do computador em uso, quantidade de cliques, abertura de abas, inclusão de tarefas no sistema e criação de chamados.
Após reunião nesta terça-feira, 9, entre representantes do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e representantes do Itaú, o Sindicato questionou a falta de transparência nas medidas adotadas. “Cobramos que as regras do teletrabalho sejam repactuadas de forma transparente para todos os funcionários. O Itaú alega falta de produtividade, mas estamos falando de cerca de mil pessoas. Não é razoável usar mecanismos de monitoramento e vigilância para justificar cortes em massa. É preciso estabelecer limites claros para a vigilância digital”, diz Neiva Ribeiro, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. A avaliação do sindicato é que esse tipo de prática de monitoramento pode gerar pressão excessiva e afetar a saúde mental. “Se há um mecanismo de avaliação no teletrabalho, por que esses funcionários não foram advertidos antes de serem demitidos?”, diz.
Para Fernando De Vincenzo, general manager da consultoria multinacional Cornerstone Career Services, o episódio reflete o ponto de transição em que se encontra o mercado de trabalho. “Estamos falando de um modelo ainda imaturo, tanto para as empresas, que precisam criar formas de gestão e acompanhamento de produtividade, quanto para os profissionais, que devem assumir autonomia e responsabilidade pelos resultados”, disse.
Ele lembra que, passados cinco anos da pandemia, há claros sinais de um movimento de retorno ao presencial. Numa pesquisa nacional realizada pela Cornerstone com quase 600 profissionais, e que será divulgada no mês que vem, o modelo presencial já aparece como maioria em relação ao híbrido e remoto. “O híbrido parecia uma tendência consolidada, mas vem perdendo espaço. As empresas estão testando formatos, e muitos já redescobrem o valor do presencial”, afirmou.
No entanto, pesquisas mostram que os funcionários seguem valorizando empresas que permitem a flexibilidade. Uma análise do Relatório de Tendências de Gestão de Pessoas do GPTW revelou quanto mais flexível é o modelo de trabalho adotado por uma empresa, menor a dificuldade em preencher vagas em aberto, por exemplo. Segundo o estudo, 68% das organizações que operam em modelo 100% presencial relataram desafios para contratar novos talentos, enquanto esse percentual cai para 53% entre as companhias que adotam um formato híbrido. O número é ainda menor entre as empresas que oferecem trabalho totalmente remoto, com apenas 38% relatando dificuldades na contratação.
Para Vincenzo, a aparente contradição entre a busca dos profissionais pela flexibilidade e o retorno massivo ao modelo presencial sob o argumento de produtividade indica a necessidade de amadurecimento. “Dentro de um modelo que ainda é imaturo no sentido de segurança no exercício dos papéis para os dois lados, eu consigo entender esse ponto de desenvolvimento tanto das empresas, de olharem essa questão da produtividade, mas também de profissionais que precisam entender, que para se implantar um modelo híbrido, é fundamental a questão do protagonismo, de estar à frente, de entender seus papéis”.
A chave, segundo ele, é tanto as empresas quanto os trabalhadores assumirem com clareza qual é a cultura em que acreditam e qual o modelo querem seguir. “A gente viveu também uma fase onde quem não dissesse que acreditava no híbrido ia perder competitividade no mercado. Então você vê empresas que não conseguiam assumir o desejo de voltar para o presencial”, diz. O mesmo vale para os profissionais. ” As pessoas precisam ter maturidade de descobrir qual é o modelo, qual é a cultura de que gostam de trabalhar. Se eles gostam de trabalhar no modelo híbrido não adianta querer trabalhar numa cultura que tem como história uma questão do trabalho presencial”, diz.