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O primeiro brasileiro nas prestigiadas paredes do Musée d’Orsay

Manet, Monet, Degas, Sisley – todos os grandes nomes do impressionismo, o movimento que deu o gás decisivo à virada de página para a arte moderna, no século XIX, estão aqui reunidos, no Musée D’Orsay, em Paris. Você anda, anda, anda (e dá-lhe fôlego) pela antiga estação de trem, e eis que, muitas obras-primas depois, avista telas que ao mesmo tempo destoam e conversam com o conjunto.

Em salas onde a essência daquela turma à caça da luz está concentrada, os quadros de Lucas Arruda, um paulista de 41 anos, intrigam por ser claro produto de um outro tempo. Esqueça a efervescência de uma era embalada pela fumaça das locomotivas e o frenesi dos bulevares que ditavam moda e costumes na cena parisiense – o mundo de Lucas está muito mais no interior dele próprio. Mas é a luz, sempre ela, que permeia a obra do primeiro artista brasileiro que pôs pés e pincéis no Orsay. “Meu trabalho não é apocalíptico, mas uma continuidade daquilo que foi plantado lá atrás”, diz ele a VEJA.

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A exposição Que Importa a Paisagem, com 34 pinturas que intrigam o visitante na velha gare pela lupa contemporânea, compõe o pacote de iniciativas tocadas neste ano Brasil-França, escolhido justamente por marcar dois séculos de laços diplomáticos entre os dois países. Desde abril, manifestações variadas da cultura brasileira começaram a aportar nestas bandas e paredes – o que se verá em via oposta com os franceses a partir de agosto, quando irão inaugurar sua temporada em terra brasileira, a mesma onde tantas raízes já fincaram no curso da história.

LUZ, QUERO LUZ

A captura da luz no exato instante em que ela tingia certa paisagem atiçava a curiosidade estética e até cientifica dos expoentes da impressão – vocábulo, aliás, que surgiu na voz de um crítico mordaz, como se o que produzissem fosse borrões, mas que viria a fazer girar a roda da arte. No caso de Lucas, também a luminosidade conduz o trabalho – tudo dentro do ateliê, ao contrário de seus pares de dois séculos atrás, entusiastas do ar livre. Quadro a quadro, ele vai removendo a tinta com a espátula numa espécie de escavação e, eureka!, encontra a luz.

Difícil é alojar sua obra em escaninhos. “Ele é figurativo e abstrato, nervoso e sereno, impressionista e expressionista”, avalia o curador Nicolas Gusserrand, que aponta para duas telas em direções contrárias. Cada qual traduz uma sensação bem distinta – uma é O Mar Tempestuoso, em que Gustave Courbet mergulha em águas revoltas, e a outra, uma das ninféias de Monet, que delicadamente pendem da tela. “Os pincéis de Lucas reúnem as duas coisas”, explica Nicolas.

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Vistos de perto (o que acaba por ferir um pouco a ideia fundamental de se deixar levar pela impressão, mas vale muito) as pequeninas telas, algumas de 30 por 24 centímetros, revelam alta atividade na superfície. As paisagens que ele retira da própria imaginação, e que o notabilizam, estão envoltas em névoa. A nenhuma deu título – Lucas agrupou suas séries sob um único chapéu, Deserto-Modelo. “Você começa com a tela em branco, desértica, que é o princípio e o fim de tudo”, esclarece.

Os exemplares que parecem, e só parecem, monocromáticos, ao estilo Mark Rothko, oferecem nuances e horizonte. Sobre a brancura que às vezes toma a obra, ele absorveu muito de seus agora vizinhos de sala – os impressionistas gostavam de uma boa neve. Não é pouco dividir um quinhão no Orsay com todas as catedrais de Rouen de Monet, feitas em diferentes momentos do dia, como um experimento.

As séries de Lucas e Monet, parede a parede, mostram como o tempo passou e o mundo girou, mas também sustentam a ideia da riqueza em garimpar o passado. “Posso olhar para a mesma cena várias vezes e em cada uma delas descobrir algo novo”, diz o brasileiro, em cartaz no belo museu às margens do Sena até 20 de julho e ainda com uma retrospectiva no Carré d’Art, na cidade de Nîme, no Sul da França

E não custa lembrar: uns passinhos adiante, o Orsay reserva uma abundância de Van Goghs, com direito a autorretrato, noite estrelada e um outro tipo de luz.

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