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O preço do atraso: tarifaço de Trump expõe fragilidade do protecionismo do Brasil

A guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs ao Brasil um rastro de prejuízos e uma lição urgente, além de expor uma velha contradição. Desde 6 de agosto, metade de tudo que o país exporta para o mercado americano está pagando a nova tarifa de 50%. Até o ano passado, essa alíquota era, em média, menor do que 3%. Os prejuízos estão nos milhares de empresas nacionais que começam a perder vendas conforme os clientes americanos suspendem as encomendas com preços remarcados. É fato que a motivação para o tarifaço foi política, com o absurdo objetivo de interferir na Justiça daqui no caso do julgamento de Jair Bolsonaro (leia a matéria na pág. 28). Mas é fato também que o Brasil nunca fez devidamente sua lição de casa no campo do comércio exterior. O país está entre as nações mais fechadas do planeta — somos um caso clássico do protecionismo que agora criticamos. “O Brasil continuou inibindo as importações enquanto os outros ampliavam a integração internacional”, diz Lucas Ferraz, coordenador do Centro de Negócios Globais da Fundação Getulio Vargas e ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia. “Era o made in Brazil querendo competir com o mundo inteiro, e isso nos fez perder relevância.”

O apelo à proteção da produção nacional é compreensível e, em maior ou menor grau, praticado por todas as nações. O problema surge quando essas barreiras são usadas em excesso e por tempo prolongado. Nesse caso, o efeito é o oposto do desejado. Para os consumidores, o resultado são artigos caros e de qualidade inferior. No setor produtivo, consolidaram-se empresas pouco expostas a novas tecnologias e sem incentivos à eficiência, o que encarece os preços e reduz a competitividade no mercado externo. Somados aos altos custos internos — impostos elevados, infraestrutura precária e insegurança jurídica —, esses fatores formam a receita de uma economia cara, improdutiva e dependente de proteção. “Empresas ineficientes sobrevivem e geram valor não por serem competitivas ou criativas, mas por estarem protegidas da concorrência externa e contar com subsídios”, afirma Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula. “Elas se beneficiam, mas o país como um todo perde.”

O Brasil, que desde os anos 1950 apostou no modelo de substituição de importações, tornou-se um exemplo eloquente de como essa estratégia fracassou no longo prazo. A produtividade, indicador que mostra quanto cada trabalhador é capaz de gerar em bens e serviços, está praticamente estagnada desde 1980, e a renda avança em ritmo lento. De 1980 a 2024, o PIB per capita do país caiu da 51ª para a 62ª posição no ranking mundial. Nesse mesmo período, a participação da indústria no PIB encolheu de 30% para 10%. Apesar de ser hoje a décima maior economia do planeta, o Brasil ocupa apenas o 25º lugar entre os maiores exportadores e o 27º entre os que mais importam, com uma fatia de 1,5% no comércio global — é uma proporção que não condiz com o seu tamanho e que o faz destoar dos demais países. “A política protecionista até ajudou a criar uma indústria diversificada no passado, mas ela não se tornou competitiva”, diz Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento. “Enquanto outros países aprofundaram a abertura e se beneficiaram do boom de acordos de livre comércio, o Brasil avançou muito pouco.”

SEM PARCEIROS - Porto de Santos: país só assinou o acordo do Mercosul
SEM PARCEIROS - Porto de Santos: país só assinou o acordo do MercosulNelson Almeida/AFP
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Foram justamente as economias que aceleraram sua integração internacional que conquistaram a rara façanha de escapar da chamada “armadilha da renda média”. É o caso de Coreia do Sul, Chile e Polônia, três dos apenas 34 emergentes, entre mais de uma centena, que conseguiram chegar ao grupo dos mais ricos nas últimas décadas, segundo estudo do Banco Mundial. Os indicadores que medem o grau de fechamento de uma economia são muitos — e o Brasil se destaca negativamente em todos eles. A corrente de comércio do país, que soma exportações e importações e expressa seu nível de integração às cadeias globais, equivale a apenas 36% do PIB. É a nona menor proporção entre 140 nações, numa lista encabeçada por Sudão, Etiópia e Haiti. Outro retrato do isolamento está nas barreiras alfandegárias: a tarifa nominal média cobrada sobre produtos importados é de 13,5%, a 15ª mais alta entre 190 países monitorados pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em alguns produtos, sobretudo aqueles em que o país mantém um parque fabril robusto, as tarifas ultrapassam os 20%, como é o caso de automóveis, calçados e boa parte das especialidades da Zona Franca de Manaus, como celulares, videogames e bicicletas. Além das tarifas, o Brasil figura entre os campeões no uso de barreiras não tarifárias, como licenças e exigências sanitárias adicionais para importados — são regras mais rígidas até do que as da União Europeia. No campo da integração global, ocupamos as últimas posições: desde a criação da OMC, em 1995, cerca de 400 acordos comerciais foram firmados no mundo, mas o Brasil só assinou um de peso, o do Mercosul. “Essa lentidão nos isolou de oportunidades estratégicas e nos deixou à margem do dinamismo do comércio internacional”, afirma Ferraz, da FGV.

DILEMA - Fábrica na Zona Franca: a justificativa é o desenvolvimento regional
DILEMA - Fábrica na Zona Franca: a justificativa é o desenvolvimento regionalWang Tiancong /Xinhua/AFP
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Novos acordos comerciais serão inevitáveis para abrir rotas aos produtos que perderão espaço nos Estados Unidos. “No atual contexto geopolítico, vão se destacar os países que conseguirem se integrar mais rapidamente a novos mercados, com cooperação tecnológica e sem risco de desindustrialização”, diz Frederico Lamego, superintendente de relações internacionais da Confederação Nacional da Indústria. O desafio, porém, é calibrar a dose de abertura. “O grande dilema é encontrar o ponto de equilíbrio nas relações comerciais”, afirma Luiz Frederico Aguiar, superintendente-­adjunto da Zona Franca de Manaus, lembrando que muitos polos industriais funcionam como motores de desenvolvimento regional.

A promessa de novas parcerias comerciais entrou no pacote de medidas anunciado pelo governo para aliviar o impacto do tarifaço nas empresas. “Se os Estados Unidos não vão comprar, nós vamos procurar outros parceiros”, prometeu o presidente Lula. Essa disposição surge em circunstâncias adversas e com enorme atraso. O problema é histórico, fruto de erros de vários governos. “Ter uma economia fechada é muito ruim para a produtividade, e já pagamos um preço imenso por isso”, afirma Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. O Brasil chegou a uma encruzilhada. A guerra comercial escancarou a vulnerabilidade de um modelo que se apoia mais na proteção do que na competitividade. O país pode insistir na rota conhecida, sustentando empresas ineficientes, ou aproveitar o choque externo como um gatilho para, enfim, se abrir ao mundo — e ganhar com isso.

Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958

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