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O planeta exposto

Acabo de voltar do Pará, onde participei da semana inicial da COP30. Entre discussões sobre desmatamento, transição energética e biodiversidade, o que mais me marcou foi perceber que o planeta está exposto não só às grandes decisões, mas à soma dos nossos descuidos cotidianos. Estar na Amazônia é uma experiência que dispensa gráficos e relatórios. Ali a natureza nos lembra de que está viva, mas cansada. Sob o calor de Belém, o planeta inteiro parece pedir o mesmo que qualquer um de nós espera quando se sente vulnerável: cuidado. Pompa diplomática à parte, a COP é o que o ser humano tem de melhor e de pior: nossa capacidade de criar soluções e nossa inclinação a adiar decisões difíceis.

A exuberante floresta, pressionada pela ameaça, reflete nossa própria condição. Como ela, vivemos expostos à poluição que geramos, às escolhas apressadas, à crença de que sempre haverá tempo depois. A vida não deixa de ser, sob certo prisma, um ato de exposição. Todos estamos sujeitos às consequências de nossas escolhas. Cuidar do planeta demanda o mesmo tipo de coragem exigida pelo cotidiano. Temos de ser capazes de reconhecer limites, admitir erros e mudar comportamentos, mesmo quando isso é incômodo. Buscar a sustentabilidade é lidar com o fato de que não controlamos tudo e, ainda assim, agir.

“Não é preciso estar em Belém para contribuir. A mudança começa nas pequenas rotinas”

Não é preciso estar em Belém para contribuir. A mudança começa nas pequenas rotinas, nas decisões silenciosas que tomamos todos os dias. Separar o lixo, evitar o desperdício de água, desligar a luz ao sair do cômodo, não jogar papel na rua; gestos simples, quase invisíveis, que, somados, têm um efeito real. A consciência ambiental é, no fundo, uma forma de educação doméstica, um aprendizado íntimo. Não se trata apenas de políticas públicas. Talvez por isso me tenha vindo à memória o Sujismundo, personagem das campanhas educativas dos anos 1970, embaladas pelo bordão “povo desenvolvido é povo limpo”. Independentemente do contexto político em que foi criada, a figura de aparência descuidada passava, de forma divertida, um ensinamento sério: fazer o básico constrói civilidade. Se o Brasil daquela época tinha de aprender a não jogar lixo, o de hoje precisa aprender — e quem sabe ensinar — a não jogar o planeta fora.

Mas o princípio continua o mesmo de meio século atrás: não há sustentabilidade possível sem responsabilidade individual. Cada copo d’água economizado, cada resíduo separado, cada criança educada nesse espírito é um passo para a regeneração ambiental. Cuidar do mundo exige se expor ao desafio. Vencer o problema supõe encará-lo, abrindo mão da indiferença e admitindo que a solução não virá apenas de conferências ou leis, mas do acúmulo de gestos conscientes, diários e anônimos. A coragem para mudar hábitos talvez seja, ao mesmo tempo, a mais silenciosa e a mais transformadora que há. A Amazônia é um espelho do que somos capazes de preservar ou de destruir. Quem sabe o maior legado da COP30 venha a ser o de nos lembrar que o futuro do clima começa no nosso presente em casa. Que sejamos menos sujismundos e bem mais conscientes de como expomos o planeta, e nós mesmos, ao risco. Ainda temos chance de vencer.

Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970

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