É preciso se esforçar muito para atingir o nível de ruindade, em termos de avaliação, do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer. Odiado pela direita por ser de esquerda e pela esquerda por não ser suficientemente esquerdista, ele vive uma espécie de tempestade perfeita, por erros provocados ou conjunturas sobre as quais não tem controle.
Nessa fase lei de Murphy, em que tudo o que pode dar errado, dá, enfrenta atualmente mais um caso estrondoso em que um estrangeiro, imigrante ilegal condenado por crime sexual, o argelino Ibrahim Kaddour Cherif, foi solto por engano – o segundo desde o mês passado. O caso aconteceu no último dia 29, mas só foi comunicado à polícia na terça-feira dessa semana. Outro caso quase simultâneo: a libertação de William Smitff, preso por estelionatos múltiplos.
É possível que seja fruto do enorme movimento nas prisões, com 25 mil detentos dispensados pelo atual governo para aliviar a superpopulação carcerária, o que não costuma ser um sucesso de público. Também pode ser fruto de confusão de funcionários que não entendem exatamente os processos burocráticos devido ao grande número de estrangeiros em cargos nas penitenciárias, principalmente nigerianos e ganenses.
Qualquer que seja o motivo, é péssimo para o governo, principalmente depois da verdadeira comoção nacional provocada pela soltura, por engano, de Hadush Kebatu, que havia abordado uma menina de 14 anos, passado a mão nela e tentado levá-la ao hotel onde estava hospedado com conta paga pelos contribuintes. Para ser deportado de volta à Etiópia, as autoridades policiais pagaram a ele 500 libras, uma gentileza em troca de não criar problemas no processo. Parece piada, mas é verdade: o governo pagou o equivalente a 3,3 mil reais a um criminoso condenado que deveria ser deportado.
MENTIROSA COM ASSINATURA EMBAIXO
Todo mundo sabe de onde vem o dinheiro para essas insanidades: do bolso dos contribuintes, que vão levar mais uma facada do governo Starmer. Depois de prometer seguidamente que nunca, jamais, aumentaria impostos, a ministra da Fazenda – o cargo tem o nome chique de chanceler do Exchequer -, Rachel Reeves, vai fazer exatamente isso quando apresentar o orçamento para 2026.
Reeves é uma mentirosa comprovada, com assinatura e tudo. Escreveu uma carta dizendo ao chefe que “não sabia” de uma taxa municipal de 900 libras necessária para alugar uma casa de sua propriedade – taxa absurda, mas lavrada em lei defendida na época pela própria Reeves. Quando foi desmentida pela imobiliária, que a avisou do tributo, reconheceu o, digamos, engano.
Starmer não a demitiu, como deveria ter feito, possivelmente porque não queria atiçar os mercados num momento sensível como o que antecede a apresentação do orçamento. Ou talvez porque não tenha pulso. A ex-vice-primeira-ministra Angela Rayner teve que ser arrastada para fora do cargo depois de também mentir em relação ao aluguel de uma casa – como numa herança dos tempos medievais, todo mundo que sobe na vida no reino parecer sonhar em “viver de aluguel”.
Até uma situação sobre a qual não tinha controle, a das encrencas na família real, prejudicou Starmer. Andrew Mountbatten Windsor, o aristocrata antigamente conhecido como príncipe Andrew, sangrou o prestígio da monarquia ao resistir o quanto pode a seu verdadeiro exílio interno, com a perda de todos os títulos de nobreza e militares, cassados pelas consequências a longo prazo do escândalo de seu amigão, o milionário abusador Jeffrey Epstein.
Tudo o que desprestigia uma instituição contamina outras.
Starmer teve uma atitude digna em relação à defesa da Ucrânia, um dos motivos para ser odiado pela esquerda mais radical, absurdamente identificada com o regime de Vladimir Putin. Outro foi a tentativa frustrada de controlar só uma casquinha dos benefícios sociais que criaram um sistema no qual é mais vantajoso não trabalhar – estamos vendo no Brasil um efeito parecido. Starmer também bajulou Donald Trump até conseguir um acordo comercial favorável aos dois países, uma conquista que deveria ser muito positivo para a economia, mas cujos efeitos passam despercebidas pela população, assolada pelo altíssimo custo de vida.
CONVERSA DE BALCÃO DE PUB
A combinação das percepções de vida cara ou até insustentável, impostos subindo, imigração descontrolada e anomia no combate ao crime antecipa uma verdadeira revolução política: a ascensão do partido Reforma, de direita populista, liderado por Nigel Farage, elevado à fama por ter sido o pioneiro do Brexit.
Com seu estilo de sujeito que conta boas histórias, nem sempre com uma sólida relação com a verdade, numa mesa de bar – ou balcão de pub -, ele seria primeiro-ministro se houvesse eleições hoje.
O Reforma elegeria 445 deputados no Parlamento de 650 cadeiras, maioria sem precedentes na história moderna. O Partido Trabalhista de Keir Starmer cairia dos atuais 411 para irrelevantes 73. Os conservadores seriam praticamente varridos do mapa, com impensáveis sete deputados representando o partido que já foi de Winston Churchill, para ficar no mais famoso político de suas fileiras.
É um terremoto de abalar as placas tectônicas, mas também reflexo de situações políticas com similaridades, como o segundo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos e a possível eleição presidencial, na França, do jovem e eloquente pré-candidato da direita lepenista, Jordan Bardella.
Atualmente, Bardella tem entre 35% e 37% das preferências, e muito espaço para subir diante do naufrágio de Emmanuel Macron (o único político de um país importante que supera negativamente Keir Starmer, com devastadores 11% de aprovação, com a diferença de que o francês está há oito anos no poder e o inglês, há apenas um ano e quatro meses).
CRIMES ‘MENOS GRAVES’
Farage já está falando como político responsável e fez um discurso para anunciar que não poderia manter a promessa de cortar impostos se – ou talvez quando – for primeiro-ministro. Seja qual for a opinião sobre ele, parece que pelo menos está falando a verdade aos eleitores, ao contrário do atual ocupante do cargo.
O argelino de 24 anos solto por engano estava envolvido em tentativa de assalto e exposição pública dos genitais. Desde março, já houve 262 casos de presos libertados por engano.
Como tudo que pode dar errado, está dando, uma funcionária do Ministério do Interior denunciou sob sigilo que o órgão está aprovando os pedidos de asilo feitos por homens com histórico de crimes sexuais considerados “menos graves”, para cumprir cotas altas de aprovação.
No caso dela, sofreu punição disciplinar por negar o pedido a um afegão por ter sido detido várias vezes expondo os genitais em áreas de lazer frequentadas por crianças.
Pode dar certo um governo desses? Nem pegando carona no prestígio do príncipe herdeiro William, como Starmer está tentando fazer na COP. Pelo calendário regular, o primeiro-ministro só convocará novas eleições em 2029. Mas muitas coisas irregulares podem acontecer antes disso.