Em um evento no Itaú no mês passado, o ministro Fernando Haddad fez uma provocação: “Muito ao contrário do que dizem que eu ocupo o pior emprego do mundo, eu acho um dos melhores. A Fazenda é um lugar muito incrível”, ironizou, numa referência ao meu livro sobre as agruras do cargo de ministro da Fazenda. Depois de a Câmara dos Deputados deixar caducar a medida provisória 1303, que assegurava arrecadação de R$ 30 bilhões no ano que vem, é possível que Haddad mude de ideia.
Depois da derrota na quarta-feira, dia 8, o ministro cancelou a viagem para os encontros anuais do FMI, Banco Mundial e G20, marcadas para a semana que vem nos EUA, para entregar possivelmente na quarta-feira, dia 15, ao presidente Lula da Silva as alternativas para impedir o rombo no orçamento.
Em circunstâncias similares nos quase três anos como ministro da Fazenda, Haddad sempre dobrou a aposta: arranjou outro instrumento jurídico para reeditar as medidas rejeitadas pelo Congresso, recorreu ao STF e contingenciou emendas parlamentares.
O fato é que o governo Lula não vai desistir. “Eu vou reunir o governo para discutir como é que a gente vai propor que o sistema financeiro, sobretudo as fintechs, que tem fintechs hoje maior do que bancos, que elas paguem o imposto devido a esse país”, disse Lula em entrevista à Piatã FM, da Bahia.
A medida mais urgente é a reedição da norma que limita as possibilidades de uso de créditos de compensações tributárias, que rendia quase R$ 1 bilhão por mês aos cofres da União. O artigo estava na MP 1303 e não sofria resistências no Congresso. Pela lei, quando uma MP é rejeitada não se pode reenviar as mesmas propostas por medida provisória, mas como a 1303 sequer foi votada, há um debate jurídico se é possível apenas repetir o texto. O governo pode insistir em MP, enviar projetos de lei, baixar normas da Receita ou editar decretos.
Além de compensação tributária e fintechs, o cardápio do Ministério da Fazenda inclui mais IOF, o aumento via decreto dos impostos sobre bets e o fim dos papeis isentos LCA e LCI. Mais do que arrecadação, o governo quer constranger os congressistas a votarem a favor das bets, bancos e mercado financeiro, dentro da narrativa de que está protegendo os mais pobres e o Congresso, os mais ricos. Ou na declaração em tom eleitoral do ministro da Fazenda, depois da MP 1303 caducar:
“O lobby dos privilegiados prevaleceu no Congresso (no caso da MP 1303). Não foi descuido, foi escolha. A escolha consciente de tirar direitos dos mais pobres para proteger os privilegiados. De blindar os mesmos amigos de sempre e forçar cortes contra aqueles que mais precisam do Estado. Escolheram sabotar o equilíbrio fiscal e o povo para tentar prejudicar o governo Lula, que trabalha todos os dias para proteger nossa economia e os direitos dos trabalhadores.”
No mês que vem, o governo deve anunciar o corte e contingenciamento de R$ 7 bilhões a R$ 10 bilhões de emendas parlamentares, seguindo a regra fiscal que permite congelamento quando há frustração de receita.
Na quarta-feira, minutos depois de a Câmara enterrar a MP 1303, o ministro do STF Cristiano Zanin anunciou que vai colocar para votação o recurso do governo contra a continuidade das isenções da desoneração da folha de pagamento para 17 setores. Em setembro de 2024, Lula da Silva sancionou a lei mantendo a desoneração da folha, retomando gradualmente até 2027, depois de duas votações no Congresso a favor das empresas.
Em fevereiro deste ano, a Advocacia-Geral da União enviou uma manifestação ao STF estimando um risco de prejuízo de R$ 20 bilhões por conta da desoneração. Segundo a AGU, as medidas de compensação da desoneração se mostraram insuficientes.
O futuro confronto entre governo e oposição no Congresso será a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, adiada depois da derrota da MP 1303 para a próxima quinta-feira, dia 16. O relatório do deputado Gervásio Maia (PSB) obriga o governo a pagar todas as emendas parlamentares PIX e emendas para as áreas de saúde e assistência social ainda no primeiro semestre de 2026. Isso dá entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões. O governo, óbvio, é contra a medida porque perde assim seu principal mecanismo de negociação parlamentar.