Um dos neurocientistas mais conceituados no mundo, o brasileiro Miguel Nicolelis, 64 anos, terá seu primeiro livro de ficção científica, Nada mais será como antes, adaptado para o cinema pela diretora Iara Cardoso. Com estreia prevista para 2027, o longa deve ser o primeiro filme nacional de “ficção científica pesada” – subgênero que une narrativa ficcional e embasamento científico. A trama segue um matemático e um neurocientista, que precisam enfrentar ameaça cataclísmica iminente, intensificada pela crise ambiental global em meio a uma conspiração internacional que busca controlar as mentes e os destinos da humanidade. No livro escrito durante a pandemia, Nicolelis adianta vários temas que estão em debate atualmente – como o poder das big techs, as fakenews, o controle da verdade e os desastres ambientais. Convidado do programa semanal da coluna GENTE (disponível no canal da VEJA no Youtube, no streaming VEJA+ e também na versão podcast no Spotify), Nicolelis fala sobre as temáticas do mundo real que o inspiraram a escrever a obra. Iara também adianta detalhes da megaprodução, a ser rodada entre China, Amazônia e Nova York.
CRISE CLIMÁTICA ATUAL. “Como o livro se passa em um futuro muito próximo, 2036, a minha avaliação foi que a confluência dessas crises poderia acontecer muito mais cedo do que a gente imagina. As pessoas não se preocupam com a crise climática porque acham que não vão estar vivas para ver as consequências mais danosas. Mas na realidade é que elas podem estar aqui sim, daqui a uma década, e presenciarem eventos que a gente só imagina em filmes de tragédias em Hollywood. O primeiro objetivo foi contar em ficção científica a preocupação que tenho dos caminhos que a civilização humana está trilhando e mostrar vários aspectos da ciência moderna que as pessoas tem dificuldade de acessar”
SEITA DE ELON MUSK. “A gente vê isso acontecendo na Europa, no Brasil, em toda parte do mundo onde existe embates. E onde a gente vê a tentativa dos overlords (poderosos que se acham acima de todos), chamo assim no livro porque eles se consideram overlords do planeta. Isso é parte da ideologia, como disse uma autora americana, da sociopatia desse grupo que criou uma seita. É uma nova igreja. E curiosamente todos os dias tem promessas mirabolantes que nunca se cumprem, estão sempre cinco anos no futuro, é a frase favorita dos caras. Mas o impacto, por exemplo, da inteligência artificial generativa nas empresas é da ordem de 3 por cento, o que é nada”.
GOLPE DAS BIGTECHS. “Fica muito claro que ao redor do mundo a classe política não está preparada para o golpe das bigtechs. Eles não entendem. A ponto da gente estar discutindo trazer datacenters de inteligência artificial para o Brasil, onde eles estão sendo expulsos de vários lugares, estão tendo protestos em várias cidades americanas, no Texas, no Arizona… Em Memphis, o ar da cidade está sendo poluído pelos produtos tóxicos que o data center gigantesco do Elon Musk solta na atmosfera. Quantidades absurdas de eletricidade e água para resfriar as centenas e milhares de nanochips que estão nesses data centers”.
SISTEMAS DE IA. “Há vários estudos publicados mostrando os efeitos cognitivos dessa imersão completa no mundo digital e especialmente nesses sistemas ditos inteligentes, porque como sempre gosto de dizer, eles não são nem inteligentes, nem artificiais (…). De uma lado existe toda sorte de promessas não realizadas, mas existe um encantamento (…). Estamos literalmente subcontratando altas funções cognitivas e tomadas de decisão a esses sistemas, que têm uma taxa de erro enorme, que alucinam numa taxa incrível, ninguém sabe solucionar”.
PROBLEMAS NO CÉREBRO. “A influência na forma como a gente pensa está sendo cada vez mais demonstrada, essa imersão digital tem efeitos claros. Quando o cérebro, de uma maneira geral, percebe que nós estamos subcontratando nossas funções cerebrais para máquinas ou qualquer coisa fora do domínio do cérebro, ele começa a dizer: ‘ok, não vou gastar mais energia com isso’. Não preciso mais guardar o número de telefone da minha família inteira, não preciso mais guardar endereços, não preciso mais pensar como se faz multiplicação. É um processo que tudo leva a crer que a influência digital tem um impacto profundo na mente humana”.
FRONTEIRA DA PÓS-VERDADE. “Estamos passando a fronteira da pós-verdade, porque hoje em dia, cada vez mais, se você não foi testemunha ocular de um evento, não sabe se o filme, a notícia ou o áudio que está recebendo tem qualquer conexão com a realidade. Estamos criando um grau de incerteza que é absolutamente sem precedentes na história da humanidade e o cérebro não se dá bem com incerteza. O cérebro humano, de nenhum animal, não se dá bem com não conseguir prever ou estimar o que vai acontecer aqui fora”.
FUTURO IMPOSSÍVEL. 29:00 “Evidentemente gente como o Elon Musk fica espalhando mundo afora, absurdo atrás de absurdo, dizendo que vamos fazer upload de conteúdo na mente. Como se fossemos aprender francês com um cabo que nem em Matrix, e em seis horas falar francês que nem Charles de Gaulle ou fazer um download da mente, pôr num CD e dar para nossas famílias. Nada disso é minimamente razoável ou possível, mas é algo que vende e ajuda esses caras a levantar bilhões de dólares para suas startups.”
SOBRE A COP 30. “Tenho uma visão bem pessimista, porque já participei de vários desses eventos na minha vida e acho que nada vai mudar a não ser que venha da sociedade, que venha da pressão da sociedade civil em todos os países do mundo. Não é só a Amazônia que vai desaparecer, Nova York vai sumir. Se aumentar 1 grau e meio, 2 graus da temperatura do planeta, as geleiras que vão derreter vão levar Nova York embora, Santos vai sumir do mapa. Esses grandes meets servem só para a propaganda oficial do governo. O que chamo de lero lero oficial. Porque ninguém presta atenção nesses meetings fora deles”.
Sobre o programa semanal da coluna GENTE. Quando: vai ao ar toda segunda-feira. Onde assistir: No canal da VEJA no Youtube, no streaming VEJA+ ou no canal VEJA GENTE no Spotify, na versão podcast.