Depois de quase uma semana de negociações travadas, a COP30 ganhou novo fôlego com a divulgação, pelo Brasil, nesta terça-feira, 18, do primeiro rascunho do chamado “texto do mutirão”, documento que tenta amarrar os quatro temas que emperram a conferência: financiamento climático, transparência, comércio e a revisão das metas nacionais (NDCs).
O que surpreendeu delegados e observadores é que o rascunho voltou a mencionar explicitamente a “transição para o fim dos combustíveis fósseis”, uma referência varrida das discussões desde a COP29, no Azerbaijão.
Lá, foi bloqueado qualquer avanço sobre a principal decisão de Dubai, em 2023, que pedia uma transição global longe dos combustíveis fósseis.
Brasil tenta acelerar negociações, mas países resistem
O texto é uma versão expandida da nota enviada pelo presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, no domingo.
Ele sugeriu que ministros poderiam tentar concluir as negociações já nesta quarta-feira, um prazo visto como irrealista até pelos negociadores mais otimistas.
Os debates sobre os “grandes quatro” vêm ocorrendo desde antes da abertura oficial da cúpula, e o rascunho revela que os países seguem longe de um consenso.
As opções listadas em cada item vão de versões ambiciosas até alternativas minimalistas, refletindo disputas internas que atravessam desde o G20 até o bloco dos países menos desenvolvidos.
Revisão anual das NDCs é tema explosivo
Um dos pontos mais sensíveis é a proposta de criar revisões anuais das NDCs, com o objetivo de alinhá-las ao limite de 1,5°C.
O mecanismo lembra o “ratchet” acordado em Glasgow, em 2021, que convidava, sem obrigar, países a elevar suas metas antes do ciclo obrigatório de cinco anos.
Desta vez, porém, a intenção é transformar o movimento em um procedimento mais frequente e coordenado, o que encontra resistência especialmente da China, que rejeita qualquer discussão formal sobre reforço de metas antes de 2028.
O rascunho, no entanto, inclui uma frase que é vista como um aceno direto a Pequim: países seriam “convidados a buscar superar suas próprias metas”, reconhecendo que China frequentemente entrega mais do que promete publicamente.
Pressão por resposta imediata ao fracasso das metas
A insistência por uma revisão mais rápida nasce do diagnóstico amplamente compartilhado nesta COP: as NDCs atuais não salvam o 1,5°C.
O primeiro Global Stocktake, concluído no ano passado, mostra que o mundo segue em rota de 2,5°C a 2,9°C.
Para pequenos Estados insulares e países africanos, esperar três anos até o próximo ciclo seria “assinar a certidão de óbito do 1,5°C”.
Por isso, coalizões como a High Ambition Coalition e a União Europeia pressionam o Brasil para garantir algum tipo de instrumento que acelere a implementação, ainda que voluntário.
Novos mecanismos surgem: Acelerador Global e Roteiro de Belém
O rascunho inclui duas propostas que ganharam corpo ao longo da conferência:
Global Implementation Accelerator: mecanismo voluntário para apoiar países na execução de suas metas e ampliar cooperação tecnológica;
Roteiro de Belém para 1,5°C: plano detalhado, a ser lançado em 2026, estabelecendo caminhos de curto prazo para reduzir emissões em setores críticos.
A ideia do roteiro é vista como uma saída diplomática caso o impasse sobre NDCs não seja superado.
Transição energética volta ao centro das negociações
O retorno da expressão “transição para o fim dos combustíveis fósseis” desencadeou reações imediatas. A frase aparece em dois trechos do documento:
No pacote de resposta ao déficit de ambição das NDCs, junto com os compromissos de triplicar renováveis e dobrar a eficiência energética até 2030, metas firmadas em Dubai.
Na proposta de mesa ministerial sobre rotas de transição justa, que inclui “superar progressivamente a dependência de combustíveis fósseis” e enfrentar o desmatamento.
Para delegações europeias, a mera inclusão do termo já é uma vitória. Para países petroleiros, é uma linha vermelha.
Petrostados tentam bloquear qualquer avanço
Arábia Saudita, Rússia e Irã já sinalizaram que não aceitam a reinclusão do termo. Os três articulam uma estratégia para esvaziar o capítulo energético, defendendo que a COP não deve “interferir nas escolhas nacionais de matriz energética”.
Nos bastidores, diplomatas brasileiros reconhecem que a resistência dos petrostados pode obrigar a presidência da conferência a buscar uma redação alternativa, mais vaga e menos vinculante.
Financiamento domina a COP30 e trava negociações
Se a transição energética divide, o financiamento une, justamente por ser o principal nó. A palavra “finance” aparece 26 vezes no rascunho.
Entre as propostas em debate estão:
Plano ministerial para destravar os US$ 1,3 trilhão anuais em financiamento climático prometidos em Baku;
Belem Global De-Risking Facility, uma espécie de hub internacional para preparar projetos, reduzir riscos e criar carteiras financiáveis em países em desenvolvimento;
Mecanismos para pressionar países ricos a apresentar cronogramas claros para escalar o fluxo de recursos.
Para negociadores do Sul Global, sem dinheiro não existe a possibilidade de contenção do aquecimento global em 1,5°C, NDC mais ambiciosa ou transição energética justa.
A encruzilhada da COP30
Apesar da distância entre as posições, diplomatas que acompanham o processo há mais de uma década afirmam que é a primeira vez, desde a adoção do Acordo de Paris, que há chance real de produzir um pacote político que inclua três elementos simultaneamente:
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menção explícita à transição energética,
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mecanismo de implementação acelerada e
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plano multibilionário de financiamento.
O risco, porém, é de que cada bloco force concessões que diluam o texto ao ponto de deixá-lo irrelevante.
A presidência brasileira tenta evitar esse cenário. “O mundo precisa sair de Belém com uma resposta clara ao fracasso das metas atuais”, repetem negociadores próximos a Corrêa do Lago.
Um acordo histórico, ou uma oportunidade perdida
Com uma semana restante de negociações, o resultado permanece imprevisível. Se conseguir aprovar um texto que reafirme o 1,5°C, organize uma rota de transição energética e avance em financiamento, a COP30 pode alterar o curso da governança climática global.
Se falhar, consolidará a percepção, já ruidosa em Belém, de que o sistema climático multilateral está perdendo a capacidade de responder à emergência.