Você já foi ver um filme que não queria assistir e, no fim, saiu tocado de um jeito inesperado?
Foi exatamente isso que aconteceu comigo quando levei meu filho para assistir Guerreiras do K‑Pop no aniversário de uma amiga. Achei que seria mais uma animação bonitinha, talvez divertida, feita para adolescentes e pré-adolescentes.
Mas saí do cinema com o coração apertado e a mente cheia de reflexões que me acompanham até agora — como mulher, como mãe e como psicóloga.
Não é à toa que “Guerreiras do K‑Pop” se tornou o filme mais assistido da história da Netflix, com mais de 325 milhões de visualizações em apenas 91 dias. E que quatro músicas da trilha sonora chegaram simultaneamente ao Top 10 da Billboard, um feito inédito para qualquer animação.
Mas se você acha que o filme é “só um filme para criança”, prepare-se para se surpreender.
O filme parece leve, mas fala com a parte mais escondida de você
A história acompanha um trio de garotas que brilham nos palcos como ícones do K-pop e, por trás dos figurinos e clipes perfeitos, elas também são caçadoras de demônios.
Mas os “demônios” aqui não são apenas criaturas sobrenaturais. Eles também representam algo mais íntimo: as partes de nós que foram rejeitadas ou machucadas: traumas, dores, inseguranças e cicatrizes que aprendemos a esconder.
Rumi, a protagonista, é metade caçadora, metade demônio. Desde pequena, aprendeu que, para ser aceita, precisaria esconder parte de si. Ela cobre suas marcas, esconde suas emoções e tenta se encaixar no que o mundo considera “bom o suficiente”.
Sua mãe adotiva deixa claro quando diz “as pessoas não vão amar sua parte demônio.”
Esse conflito é o coração do filme.
A luta para parecer inteiro quando se está dividido
Na experiência clínica, vejo diariamente como essa lógica se repete. Desde muito cedo, aprendemos na nossa cultura quais partes de nós são “aceitáveis”. E quais precisam ser escondidas: a tristeza, o medo, o ciúme, a raiva e a insegurança.
Muitos pacientes lutam com essa divisão.
Uma paciente com quem trabalhei e perdeu seu filho, uma vez me disse “na minha totalidade, também está a minha fragilidade”.
Para ela se tornar inteira novamente, não significava apagar o luto, mas aprender a amar a memória do filho, e ela mesmo, através disso.
Passamos tanto tempo tentando apagar nossas “partes demônio” que nos desconectamos do que somos de verdade. E da possibilidade de sermos amados por inteiro.
Como se reconectar com quem você é?
Quando usamos máscaras para mostrar apenas o que o mundo aplaude, a evitação psicológica toma conta.
É como se o cérebro dissesse: “melhor não mostrar quem você é agora.” Só que essa solução rápida vira uma prisão emocional, pois, com o tempo, ela impede você de crescer. Para prosperar temos que enfrentar o desconforto, não fugir dele, e integrar todas as partes de quem somos.
Se você sente que vive dividido entre quem você é e quem deveria ser, tem dois passos para começar a fazer as pazes com seus “demônios escondidos”:
1. Use o “E” no lugar do “OU”
Na Terapia Dialética Comportamental, tem uma ideia central de que duas verdades podem coexistir. Não é “ou isso ou aquilo”. É “isso e aquilo”.
Você pode ser forte e vulnerável, e também pode estar machucada e, mesmo assim, ser inteira.
Ao trocar o “OU” pelo “E”, paramos de nos enxergar em extremos e desenvolvemos uma relação muito mais saudável.
Não é mais “sou bem-sucedida ou um fracasso”, é “sou bem-sucedida e ainda tenho áreas para crescer”. Esse pequeno ajuste na linguagem abre muito mais espaço para aceitação.
2. Trate-se como trataria um amigo
Quando sentir medo, desconforto ou mesmo vergonha, pergunte: “o que eu diria a um amigo que estivesse sentindo isso?”
Depois, diga isso a si mesmo, com o mesmo cuidado.
São mudanças pequenas, mas que abrem espaço para algo profundo: aceitar todas as suas partes como parte de você.
Nós não somos só nossas partes “boas”.
Nossa completude também inclui as nossas vulnerabilidades. O que nos dá medo de não ser amados é exatamente o que nos torna reais e capazes de construir conexões profundas.
Nossa verdadeira força vem da aceitação e da coragem de sermos inteiros, com todas as marcas.
Qual parte sua você tem tentado esconder e que, talvez, só precisa ser acolhida?
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Nos falamos na próxima semana.