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‘O mérito e a essência do PL Antifacção serão mantidos’, diz Alessandro Vieira

O texto do PL Antifacção, apresentado pelo governo federal logo depois da megaoperação contra o Comando Vermelho que deixou mais de 120 mortos nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, deve voltar a caminhar esta semana, agora no Senado. Sob relatoria do emedebista Alessandro Vieira (MDB-SE), a normativa aprovada na Câmara após uma polêmica relatoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) não deve sofrer grandes mudanças, mas promete caminhar para tons mais moderados.

O governo federal encaminhou um extenso documento com vários pedidos de mudança da proposta (leia matéria aqui), mas, segundo Vieira, a ideia é construir consensos. “As pessoas falam muito em democracia, mas esquecem uma coisa básica: na democracia você tem que construir consenso, construir maioria. Se você não consegue fazer isso, fica paralisado. Pode ser bom para quem vive de ‘like’ na internet, mas, para quem quer resultado na vida real, é muito ruim”, diz Vieira em entrevista a VEJA.

Para ele, o governo precisa dar mais foco à gestão na segurança pública ao invés de focar na legislação. Embora seu partido, o MDB, não esteja ainda decidido sobre quem apoiar em 2026, Vieira argumenta que uma renovação seria boa para o país. “Seria bom, para que a déssemos um passo adiante, ter novos nomes. Mas esses novos nomes não podem ser aleatórios. Não podem ser aventuras. Já testamos uma aventura com Bolsonaro e não foi bom”, afirma.

Leia a entrevista a seguir:

Que tipos de ajustes podem acontecer no PL Antifacção no Senado? Temos que discutir a formatação do texto, para saber se ele está se inserindo no lugar certo no arcabouço legal brasileiro. Precisamos verificar se alguns pontos têm respaldo constitucional, como, por exemplo, a restrição ao direito de voto do preso ou ao auxílio reclusão para familiares de preso faccionado. Parece que vamos ter problemas de constitucionalidade nesses pontos específicos. E há alguns ajustes também, embora de mérito, que são muito pontuais. Um exemplo é um tipo penal que foi criado, com penas elevadas, para quem der abrigo ou apoio a faccionado. O próprio relator Guilherme Derrite (PP-SP) entrou em contato durante o processo final de votação para pedir que eu acolha uma alteração nesse ponto, inserindo uma exceção para o caso de esse acusado estar sendo constrangido de forma irresistível. São vários pequenos pontos, mas o mérito e a essência do texto serão mantidos.

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Um dos pontos mais polêmicos do PL é a repartição do fundo que hoje abastece a Polícia Federal. O que o senhor pensa desse ponto? A gente parte de uma premissa que é consensual aqui no Senado de que não se pode retirar nenhum centavo do financiamento da PF. O que se pode discutir é qual será a fonte de reposição disso. Estamos trabalhando em conjunto com o Ministério da Fazenda alternativas para que você tenha aumento de financiamento para segurança pública, e não redução. A segurança pública, em todos os níveis, precisa de mais dinheiro, não de menos. Eu não vejo isso como uma tentativa de enfraquecer a Polícia Federal. Na verdade é uma tentativa de melhorar a situação financeira das outras forças policiais. Temos que fazer isso em composição, sem tirar de ninguém.

Há demandas de parlamentares mais conservadores que ficaram para trás, como a equiparação de facções a grupos terroristas. O que o senhor pensa da ideia? É uma questão superada. Já foi vencida na Câmara dos Deputados. Ela tecnicamente é errada. Não há similaridade entre facção criminosa, que tem objetivo financeiro, econômico, e grupos terroristas, que têm objetivos religiosos, ideológicos e políticos. Mesmo a ocupação de território, no caso das facções criminosas, tem um objetivo exclusivamente econômico, enquanto no caso do terrorismo há um foco de mudança de regime político. Uma medida dessa natureza poderia gerar risco de restrições econômicas ao Brasil e atuação hostil de outros países. Não faz sentido. É uma discussão superada e eu não ouvi de nenhum senador a ideia ou a intenção de tentar retomar esse texto.

“Equiparar facções criminosas a terroristas é uma questão superada. Já foi vencida na Câmara dos Deputados. Ela tecnicamente é errada. Não há similaridade entre facção criminosa, que tem objetivo financeiro, econômico, e grupos terroristas, que têm objetivos religiosos, ideológicos e políticos”

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O senhor acredita que talvez no Senado a discussão desse PL vá ser menos polarizada? Certamente. O perfil do Senado aponta nesse sentido. Tanto porque somos um grupo muito menor, como porque o perfil dos senadores, em regra, é mais ponderado. Existe um espaço muito maior para a discussão, uma experiência que aponta para essa necessidade de conversar com quem quem pensa de forma diversa. Eu tenho feito esse contato permanente com a oposição, com o governo, com a Câmara dos Deputados, para tentar justamente construir consenso político. As pessoas falam muito em democracia, mas esquecem uma coisa básica. Na democracia você tem que construir consenso, construir maioria. Se você não consegue fazer isso, fica paralisado. Pode ser bom para quem vive de “like” na internet, mas, para quem quer resultado na vida real, é muito ruim.

Uma das maiores bandeiras defendidas pelo governo, por meio da PEC da Segurança, é a federalização das investigações do crime organizado. O senhor acha que institucionalizar isso é a saída? Se o crime for de repercussão interestadual ou transnacional, a competência é da Polícia Federal. Não existe problema nisso. Quando se cria esse maniqueísmo de uma “super polícia”, onde se joga tudo para a Polícia Federal resolver, a consequência é inviabilizar os trabalhos. Fazer isso de forma pouco pensada exclui os profissionais dos estados, que têm uma expertise longa de combate a essas facções. O caminho correto é o de força tarefa e de integração. Não existe restrição para o governo federal fazer esse combate. Repito, com total tranquilidade: não existe. O governo Lula erra muito ao escolher o viés do Legislativo, das propostas legislativas como a grande resposta para a crise da segurança pública. A grande resposta está em investir o recurso necessário, em ter clareza de planejamento e trabalhar politicamente para uma integração maior das forças. A mudança de lei precisa acontecer de forma incremental. É uma coisa a mais.

Por qual motivo existiria esse “apego” do governo à questão legislativa ao invés de mais investimentos? É uma questão do perfil escolhido. O presidente Lula não cumpriu a promessa de campanha de criar um ministério específico para a segurança pública e escolheu o ministro Ricardo Lewandowski. Ele é um grande jurista, reconhecido no mundo jurídico, mas não é uma pessoa de atuação na área de segurança pública. É muito natural, para a atual configuração do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o caminho legislativo, mais acadêmico. A segurança precisa do legislativo, do acadêmico, mas ela se resolve no operacional. Quando eu avalio uma situação pontual, como a que resultou na Operação Contenção, em uma região específica do Rio de Janeiro, com pelo menos 600, 700 homens armados de fuzil, mobilizando algo em torno de dez toneladas de entorpecente por mês. Isso não chega lá numa mochila, nem picotado. Chega em grande volume. São enfrentamentos que não vão ser feitos na mudança da lei. São enfrentamentos de gestão. Espero sinceramente que o governo federal acorde para a temática da segurança pública, abrace a pauta e faça esse enfrentamento que o Brasil espera. O Brasil tem pressa em resolver isso. O Brasil não pode ficar esperando novas eleições para enfrentar a questão da segurança pública, porque ela é gravíssima.

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Por que o seu nome foi escolhido especificamente para relatar o PL Antifacção? Qual foi o motivo da decisão do presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP)? Eu acho que é a garantia de independência. Meus sete anos de mandato garantiram que tanto o governo quanto a oposição tenham plena consciência de como trabalho. É sempre de uma forma técnica e independente, com relação ao governo ou à oposição. Se a pauta é justa, vai ter meu apoio, tendo benefício eleitoral para Lula ou Bolsonaro. Para mim é irrelevante, porque o trabalho é para o Brasil. A independência facilita muito o diálogo, que ficou muito contaminado. Uma parte grande da política se viciou e se acomodou em um sistema de comunicação política agressivo. Eu coloco o meu meu opositor político como inimigo. E quando ele é inimigo, eu não consigo sentar na mesa com ele para construir.

“Seria muito bom para o Brasil virar a página. Lula tem serviços enormes prestados ao Brasil e é provavelmente a maior liderança política das últimas décadas, mas não vejo grande proposta de futuro ou planejamento de Brasil no governo. Seria bom, para que a déssemos um passo adiante, ter novos nomes”

Nas eleições do ano que vem, o senhor acha que o MDB tende a apoiar a reeleição do presidente Lula, ficar isento ou apoiar um nome da direita? Haverá disputa. O MDB decide isso em congresso. Vai a voto. Temos parlamentares e lideranças relevantes que defendem apoio ao Lula e também a um nome mais à direita ou independente. Eu entendo que seria muito bom para o Brasil virar a página. Lula tem serviços enormes prestados ao Brasil e é provavelmente a maior liderança política das últimas décadas, mas não vejo grande proposta de futuro ou planejamento de Brasil no governo. Seria bom, para que a déssemos um passo adiante, ter novos nomes. Mas esses novos nomes não podem ser aleatórios. Não podem ser aventuras. Têm que chegar com um plano do Brasil, com a estruturação política para fazer esse plano funcionar. Já testamos uma aventura com Bolsonaro e não foi bom. O tempo de política que  tenho hoje me leva a tentar ajudar na construção dessas alternativas, mas sem muita preocupação. Se não acontecer uma renovação geracional nas grandes lideranças do Brasil em 2026, ela vai compulsoriamente acontecer em 2030.

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