Quando há suspeita de patrimônio oculto, seja em um divórcio litigioso, em uma disputa societária ou em um caso de fraude corporativa, a auditoria patrimonial costuma entrar em cena. O mecanismo permite rastrear patrimônios ocultos, reconstruir movimentações financeiras e dar suporte a decisões judiciais. É um levantamento detalhado de bens, direitos e participações, cruzando dados públicos e privados para identificar o que não aparece à primeira vista.
Segundo a advogada, Mariana Pimentel, sócia-diretora da área de Direito de Família e Planejamento Sucessório do Medina Guimarães Advogados a auditoria se torna relevante quando há patrimônio sofisticado, pulverizado em empresas, pessoas jurídicas ou até fora do país. “Em casais de classe média, o patrimônio costuma estar claro. Mas em relações com empresas, holdings, bens no exterior ou administração concentrada em uma das partes, a auditoria passa a ser essencial”, afirma.
O mecanismo tem ganhado mais atenção por conta de casos envolvendo famosos e grandes fortunas. Algumas reportagens citam que separação da influenciadora Virginia Fonseca e do cantor Zé Felipe teria envolvido um pedido de auditoria patrimonial. Outro exemplo citado por especialistas é o da atriz Larissa Manoela, em que os pais administravam os bens da atriz durante a menoridade, situação em que uma auditoria poderia ser usada como prestação de contas.
Quando a auditoria é indicada
A auditoria patrimonial costuma ser utilizada quando há indícios de fraude ou ocultação de informação. É comum em divórcios, dissoluções de união estável, inventários, disputas societárias e cobranças de grandes dívidas. Também aparece em casos de violência patrimonial, quando uma das partes perde acesso às informações financeiras ao longo do relacionamento.
Existem várias maneiras utilizadas pelas pessoas na tentativa de blindar patrimônio. A auditoria ajuda a reconstituir o caminho do patrimônio e a dimensionar seu valor real. “A auditoria patrimonial serve pra poder fazer uma investigação e levantar todos os dados necessários para refletir o patrimônio todo, se a pessoa oculta bens seja por meio de laranjas, seja com abertura de pessoas jurídicas pra colocar o patrimônio, seja com compra de bens no exterior”, diz a advogada.
O papel da Justiça
Embora parte da investigação possa ser feita de forma extrajudicial, por meio de cartórios, juntas comerciais e registros públicos, a auditoria ganha força quando levada ao Judiciário. Com base nos indícios levantados, o juiz pode autorizar medidas como acesso a declarações de imposto de renda, identificação de contas bancárias e rastreamento de veículos.
No Judiciário, há ferramentas como InfoJud, Renajud e SisbaJud que permitem cruzar informações fiscais, bancárias e patrimoniais, desde que haja autorização do juiz. A auditoria não quebra sigilos sozinha. Ela organiza indícios para que o Judiciário autorize essas medidas, explica a especialista. “Sempre é preciso lastro de justificativa pra isso”, diz.
Para o advogado André Camara, sócio da área societária do Benício Advogados, a tecnologia transformou radicalmente esse tipo de investigação.” A ocultação de bens sempre aconteceu, mas era difícil comprovar”, diz. Com bases públicas digitalizadas, a inteligência artificial permite cruzar dados que um humano levaria muito tempo para analisar.
Auditorias são mais comuns em investigações fraudes corporativas
A auditoria também é amplamente usada por bancos e empresas para identificar devedores que dilapidam patrimônio antes de execuções judiciais, além de investigações internas de fraude corporativa. ” Na verdade o maior uso de auditorias é em caso de fraudes corporativas”, diz.
Ele acompanhou recentemente de uma investigação sofisticada em uma grande corporação brasileira, que contratou uma auditoria com atuação global. Segundo ele, a empresa passou a desconfiar de um executivo e acionou uma apuração interna, e monitoramento. “Todos os equipamentos monitorados eram da empresa. O celular, o computador e-mail eram corporativos e os dados estavam todos no servidor da companhia”, afirma. A auditoria passou a mapear e-mails, ligações feitas a partir do telefone corporativo, empresas registradas em nome do executivo e notas fiscais emitidas, com o objetivo de identificar possíveis desvios. “Começou a mapear tudo para chegar no desvio”, diz.
Fraude tem consequência
A ferramenta também aparece em investigações envolvendo grandes credores. No caso do banqueiro Daniel Vorcaro, ligado ao Banco Master, por exemplo, credores podem tentar rastrear possíveis transferências irregulares de patrimônio para reduzir perdas que ultrapassam a cobertura do Fundo Garantidor de Créditos.
No campo do direito de família, a ocultação de bens pode resultar em sanções severas. Se comprovada a sonegação patrimonial após a partilha, a parte que escondeu o bem pode perder integralmente sua parcela sobre ele, mecanismo conhecido como pena de sonegados. Em alguns casos, também pode haver multa por litigância de má-fé. “Não existe crime perfeito, não tem jeito. Sempre ficam pontas soltas. Só que uma são mais fáceis, outras mais difíceis de encontrar”, diz.