Era para ser uma entrevista sobre a relação dos brasileiros com inteligência artificial, tema de uma pesquisa recente do LinkedIn. Mas, como acontece de vez em quando no jornalismo (e eu adoro), às vezes as pautas mudam de direção.
Assim, acabei conversando com Milton Beck, diretor geral do LinkedIn para a América Latina, sobre a maneira como os profissionais utilizam a plataforma atualmente aqui no país. Creio que o papo traga insights bacanas para muita gente.
Claro, os dados sobre IA são bem legais, então decidi fazer o melhor dos dois mundos: trago a entrevista e, depois dela, os dados da pesquisa, combinado?
VEJA: A relação dos brasileiros com o LinkedIn mudou de que maneira nos últimos anos?
Milton Beck: Os C-level não achavam bacana estar no LinkedIn, consideravam que era uma plataforma para buscar emprego. Os operacionais também não estavam porque não sentiam que não ganhavam valor na plataforma. Hoje, a gente tem usuários de todos os níveis da pirâmide organizacional.
Vira e mexe, aparece na minha timeline um post de um cargo que é criador de conteúdo para CEO no LinkedIn.
Nos últimos anos, tem muitas reuniões que eu vou e a principal preocupação [dos CEOs] é: “como eu vou ser mais visível, como eu vou criar conteúdo que atraia, como eu vou fazer para ser reconhecido”. É muito comum hoje que os funcionários tenham uma expectativa sobre o que os executivos pensam. Antes de anunciar na mídia tradicional, o presidente da Volkswagen anunciou um carro no LinkedIn, o do Itaú anunciou o show da Madonna. Isso mostra a mudança na rede.
Além da inclusão de mais públicos, o modo de usar a plataforma mudou em quê?
No começo, a participação estava relacionada a “deixa eu ver se tem um emprego aqui”. Nos últimos anos, aumentou a utilização como um jeito de estabelecer networking, adquirir conhecimento e ser mais visível para o mercado de trabalho. Quando as pessoas vão fazer uma entrevista, já pesquisaram a empresa e a vaga, falaram com funcionários para entender um pouco mais a cultura. Mudou não só quem a gente atinge, mas como e o quanto usam a plataforma.
Passou a ser também um lugar de marca pessoal, em certa medida?
Perfeito. Agora as pessoas comentam, criam conteúdo, fazem cursos, networking e procuram empresas. Elas usam o LinkedIn como forma de se apresentar para a sociedade profissional.
Existe um estímulo geral nos dias de hoje para que as pessoas produzam conteúdo como forma de se destacar. Mas, se todo mundo começa a fazer isso, não acaba nivelando tudo de novo? Não deixa de ser um diferencial?
Acho que depende da qualidade do conteúdo. Se você vai escrever sobre áreas que não te interessam, que não tem domínio, o conteúdo é irrelevante, a própria audiência vai fazer a segmentação.
Como as pessoas lidam quando elas percebem que o conteúdo foi feito com a ajuda de alguma IA?
Não vejo problema em usar IA para corrigir, para te ajudar a estruturar um pensamento. O ponto é que o que você quer dizer, e qual a mensagem que você quer passar, tem que ser alguma coisa genuína. Uma das características humanas que não vão ser substituídas por IA é a capacidade de você sentir veracidade nas informações, de entender nuances. Eu vejo vídeos feitos por executivos que são superpasteurizados e têm pouquíssima audiência. Por outro lado, um vídeo feito com a câmera tremendo tem muito mais audiência, porque as pessoas identificam aquilo como um conteúdo honesto.
O que o usuário brasileiro faz errado no LinkedIn?
Eu não diria errado, mas podemos falar em oportunidades de melhoria. A primeira é não fazer um bom perfil, um perfil incompleto. Não colocar foto, o que ajuda muito a estabelecer relacionamentos. A segunda é usar muito esporadicamente, como se fosse um depósito de currículo.
Uma dúvida de muita gente, inclusive eu mesmo: colocar links em publicações reduz o alcance?
Não sei o que te dizer. Eu sou company manager mas não sei como funcionam os algoritmos. Muitas vezes eu mesmo coloco o link no comentário, mas realmente não sei te responder. Não acredito que os algoritmos sejam fixos.
O que a pesquisa de vocês sobre os brasileiros e a IA descobriu de interessante?
Os brasileiros têm uma visão positiva da IA, mais do que outros países. Se sentem mais aptos a usá-la. As pessoas acreditam que aprender IA, algo que todo mundo agora tem que fazer, está causando uma sensação de um segundo trabalho. Essa sobrecarga vem do fato de as empresas estarem mais pressionando os funcionários.
Também achei interessante um dado que fala que 64% das pessoas ouvem sobre a importância da IA, mas que não ouvem o suficiente sobre as habilidades humanas que ainda são relevantes. Que habilidades humanas são relevantes?
As habilidades mais buscadas nos profissionais, mesmo em épocas em que se busca muita habilidade em IA, estão relacionadas às capacidades humanas: comunicação, empatia, análise crítica, resolução de problemas. A mais importante é a capacidade de aprender continuamente. O que me permitiu chegar até aqui não vai me levar nos próximos 5 anos se eu não me desenvolver.

Brasil e sua relação com as inteligências artificiais
A pesquisa do LinkedIN que motivou minha conversa com Beck ouviu 19.268 profissionais de catorze países (Arábia Saudita, Emirados Árabes, Austrália, Países Baixos, Estados Unidos, Índia, Singapura, França, Alemanha, Itália, Brasil, Espanha, Suécia e Reino Unido). De longe, somos os mais otimistas com a IA, como dá para notar pelos dados que destaquei abaixo.
- 84% consideram divertido experimentar a IA e aprender coisas novas todos os dias.
- 83% dos entrevistados brasileiros acreditam que a IA pode melhorar sua rotina de trabalho.
- 42% afirmam que dependem da IA diariamente e se sentem confiantes em utilizá-la de forma independente.
- 46% discordam da afirmação “sinto-me despreparado para como a IA pode mudar minha função nos próximos 3 a 5 anos”.
- 42% consideram as ferramentas de IA entre as fontes mais confiáveis de orientação ao tomar decisões de carreira.
- 74% dizem que usam IA com mais frequência e confiança do que há um ano.
- 56% acreditam que precisarão saber utilizar a IA para conseguir uma promoção ou conquistar um novo emprego em um futuro próximo.
- 68% afirmam que a IA os levou a considerar novos caminhos de carreira, como o empreendedorismo.
- 75% acreditam que a tecnologia ampliará as possibilidades de carreira para pessoas de diferentes origens.
Mas, para não fechar o texto num tom exageradamente alegre, vamos a dois dados mais preocupantes. Assim o leitor tem mais material para elaborar reflexões e contrapontos para compartilhar no LinkedIN, é ou não é?
- 63% dos entrevistados brasileiros sentem-se sobrecarregados com a velocidade das transformações no ambiente de trabalho.
- 25% sentem-se sobrecarregados especificamente com a integração da IA em sua rotina.