O peso do mundo está sobre os ombros de Volodymyr Zelensky. No encontro frente a frente com Donald Trump, ele terá que dizer sim ou não ao que o presidente americano já discutiu com Vladimir Putin.
As duas opções são, infelizmente, ruins. Se rejeitar, será acusado pelos Estados Unidos de não querer a paz – e evidentemente a guerra vai continuar, talvez já sem a ajuda militar americana da qual a Ucrânia depende para sobreviver.
Se disser sim, terá que abrir mão não apenas dos territórios que a Rússia já ocupa, mas de outras partes da região de Donetsk que o inimigo ainda não conseguiu conquistar.
Imaginem ser um cidadão ucraniano de cidades como Zaporijia ou Kherson que passou dois anos e meio resistindo a fugir, levando bombardeio pesado, e agora se vê diante da perspectiva de ser obrigado a virar russo. Agora imaginem ser o presidente da Ucrânia, que tem que vender essa ideia ao país, aumentando a sensação de que a paz é injusta e Vladimir Putin vai sair por cima.
Disse Trump numa entrevista depois do encontro com Putin no Alasca, sobre o que aconselharia Zelensky a fazer: “A Rússia é uma potência muito grande e eles não são”.
‘MILHÕES SERÃO SALVOS’
Ou seja, a Ucrânia tem que beber o copo de veneno inteirinho. Em troca, receberia garantias comparáveis às desfrutadas por países-membros da Otan, protegidos pelo Artigo 5º da carta da organização, segundo o qual os Estados Unidos e outros países membros têm obrigação de retaliar em caso de invasão sofrida por qualquer um de seus integrantes.
Este é o aspecto mais positivo do esboço de acordo, ainda não revelado oficialmente, mas suficientemente avançado para levar os principais líderes europeus a Washington, na tentativa de proteger a Ucrânia de um acordo muito desfavorável.
Note-se que Zelensky é um presidente que não dispõe de poderes autocráticos como Putin e precisa ter o endosso da esfera política e, principalmente, dos líderes militares. Como em qualquer país em guerra, os comandantes militares têm muito a dizer sobre um acordo de paz que selaria a perda de 20% do território ucraniano, uma ideia quase insuportável.
Está a Ucrânia sendo traída ou obrigada a fazer uma escolha realista, considerando-se que nunca conseguiria reconquistar os territórios perdidos?
É possível defender as duas opções. “Potencialmente, milhões de vidas humanas serão salvas”, incentivou Trump.
PRESIDENTE POR ACASO
Pelo lado positivo, além, obviamente, de parar com a matança, a Ucrânia terá sobrevivido a uma invasão imperialista em estado puro que tinha tudo para varrer a vida independente do país.
De todos os estonteantes desafios que Zelensky já enfrentou, este é o maior de todos. O comediante de 47 anos, eleito porque fazia um personagem que se tornava presidente por acaso, virou um líder de grande projeção e popularidade internacional, tanto à esquerda quanto à direita, em termos europeus, tem uma escolha cruel pela frente.
Ele deveria ter sido sequestrado, talvez fuzilado, pelos russos, logo no início da invasão.
O heroísmo dos ucranianos e as graves vulnerabilidades mostradas pelos invasores permitiram a sobrevivência do presidente e do país. A propaganda russa tentou retratá-lo como um cocainômano neonazista – um delírio maior ainda considerando-se que Zelensky é judeu, em si já visto como algo impossível num país eslavo como a Ucrânia.
Desafiar as possibilidades virou o padrão Zelensky de comportamento. Trump, que obviamente não tem simpatias por ele, já o chamou de “maior vendedor da história”, ironizando a grande ajuda que tinha no governo anterior. Hoje, talvez ele tenha que se mostrar também como comprador.
“Se um dos lados conseguir tudo o que quer, isso é rendição. Não está nem perto do que vamos fazer”, garantiu o secretário de Estado, Marco Rubio. Tomara que esteja certo.